Como organizar o caos segundo Tim Hecker
Ambiental mas intensa, imersiva mas visceral. Tim Hecker é um dos nomes mais cotados do ambientalismo, mas nunca será música de fundo. A confirmar sábado no MusicBox, em Lisboa, e domingo no Hard Club do Porto.
Quando atendemos o telefone, desfaz-se em desculpas, confessando que não gosta de ser surpreendido por imprevistos. Aproveitamos de imediato a deixa e perguntamos-lhe se gosta de deter o controlo dos acontecimentos, organizando-os à sua maneira, em vez de ter de se adaptar às circunstâncias. “Na minha vida de todos os dias não gosto, mas quando estou a criar é diferente. Aí existem curvas que nos surpreendem e isso pode ser positivo desde que consigamos transformar esses momentos.”
Esta sexta-feira Tim Hecker vai tocar na Finlândia. Sábado segue-se o MusicBox, em Lisboa, numa noite de Jameson Urban Routes, e domingo o Hard Club, no Porto. Na terça estará em Los Angeles.
Desde 2000 que o canadiano, sediado em Montréal, circula pelo mundo. Inicialmente deu-se a conhecer como Jetone, mas foi em nome próprio, com meia dúzia de álbuns, que se impôs definitivamente como uma das figuras mais cotadas das músicas exploratórias com acento nos ambientes, na abstracção, no ruído. Na sua música há lugar para entrever muralhas sonoras digitais e espaços de respiração acústicos, misto de ondas voluptuosas eléctricas que vão embatendo contra ruídos digitalizados, crescendo intensamente pelo espaço circundante.
O álbum do ano passado, Virgins, fez recair ainda mais sobre si as atenções. Não é muito vulgar um músico com as suas características, conectado com experiências em torno do ruído, ter um naipe tão alargado e diversificado de ouvintes, provenientes das franjas alternativas do rock, do metal mais intenso, das electrónicas ou das vanguardas no limiar do silêncio.
Na juventude, deixou-se enredar nas malhas dos Sonic Youth, dos Pixies, dos New Order ou dos Nirvana, mas foi quando ouviu Aphex Twin nos anos 1990 que a sua percepção da música se transformou, acabando por comprar aparelhos electrónicos. Antes de enveredar pela música a sério, foi assessor de um ministro no Canadá e terminou há pouco um doutoramento em Filosofia. “Quando olho para trás tudo me faz sentido. Mesmo quando penso nos grupos de que gostava na adolescência, consigo perceber que aquilo que me fascinava era a intensidade em bruto, o esculpir do som em estúdio e não tanto a ideia de canção, por exemplo”, afirma, para de seguida reflectir sobre o que o inspira. “São momentos, são viagens, são os sons da natureza como os sons da cidade, são filmes, são livros e são também muitas imagens. Gosto de coisas que desviem, que tenham esse atributo de me deslocar no tempo ou no espaço.”
Nas suas performances ao vivo, o espaço também joga um papel crucial, com luzes e volume sonoro participando da mesma envolvência sensorial. “É muito diferente ouvir as minhas peças em casa e ao vivo. É qualquer coisa de muito mais impositivo e intenso ao vivo. Existe uma enorme concentração de energia que apenas é possível naquela situação e isso é muito excitante.”
Sem distracções
Em cada um dos temas instrumentais de Tim Hecker podem conviver instantes de placidez e serenidade, mas o estado de imersão é sempre veemente. Está longe de ser música de fundo.
Para gravar Virgins, viajou até Reiquejavique, capital da Islândia, onde se encontrou com o cúmplice Ben Frost e, pela primeira vez, com alguns músicos. É um álbum de silêncios que vão dando lugar a murmúrios sintéticos e ondulações para piano, projectando ambientes de desolação. “Foi diferente trabalhar com músicos, claro, mas no fim de contas trata-se de organizar sons de uma forma que me faça sentido. Existe uma longa história de arquitectos sonoros a trabalharem com músicos e transformarem o que nasce daí numa música abstracta. Nesse álbum, mais do que em qualquer outro, tive a preocupação que existisse um contínuo sonoro, quase como se não existisse início e fim em cada um dos temas. Essa foi a principal preocupação.”
Quando fala da forma como compõe parece quase um artista plástico, falando de cores, volumes, formas. “Sim, muitas vezes sinto-me algures entre esses dois mundos, a música e as artes visuais, embora todas as formas de arte sejam organizadoras do caos. Um caos mais individual do que social, talvez, mas um caos.”
Ao longo do seu percurso já tocou nos mais diversos locais: galerias, festivais, igrejas, catedrais. Não surpreende que muitas vezes a sua música seja apelidada de ritualista, com se contivesse qualquer coisa de religioso. Mas sábado e domingo, em Portugal, a liturgia vai ser outra. Tim Hecker actuará em salas de concertos tradicionais. Uma coisa é certa, diz ele, rindo-se, "não vai haver muito espaço para conversas laterais ou ao balcão e esse tipo de coisas”. Porquê? “A música vai estar tão alta que não vai haver espaço para distracções.” Fica o aviso.