Bares no Cais do Sodré vão encerrar mais cedo mas álcool na rua mantém-se
Moradores pedem mais restrições à venda e consumo de álcool no espaço público. Câmara lembra que não pode impedir o consumo na rua, mas promete apertar o cerco às lojas que vendem para o exterior.
O objectivo da autarquia é “harmonizar os horários” das zonas de diversão nocturna – além do Cais do Sodré, a medida vai ser aplicada na Bica e em Santos – com os que já vigoram no Bairro Alto desde 2009, explica o vereador da Higiene Urbana na Câmara de Lisboa, Duarte Cordeiro. A excepção vai para as discotecas, que têm autorização para fechar mais tarde porque “não contribuem para o problema”, afirma o autarca. Pelo contrário, “funcionam de porta fechada e retiram pessoas da rua”.
As lojas de conveniência, às quais moradores e comerciantes apontam o dedo por venderem álcool para o exterior, também vão estar na mira da câmara. “Vamos identificar os estabelecimentos que mais contribuem para alimentar o consumo [de álcool] na rua, e definir horários ainda mais reduzidos do que previsto nas respectivas licenças”, adianta. No entanto, ressalva: “O município não tem poder para impedir que alguém beba álcool na rua.”
Duarte Cordeiro reconhece que “a restrição de horários não chega, só por si” para resolver os problemas gerados pela diversão nocturna desregrada, mas acredita que vai ajudar a diminuir o ruído a altas horas da noite, garantindo o descanso de quem mora naquela zona. Nesse sentido, o autarca promete “apertar a fiscalização”. E a esta primeira medida deverão seguir-se outras, nomeadamente ao nível da higiene urbana, como o "reforço dos sanitários públicos" e dos locais de deposição de lixo dos bares.
O despacho sobre estas medidas deverá ser publicado em boletim municipal a 30 de Outubro e estará depois em consulta pública durante 15 dias, segundo o vereador. Entretanto, a câmara vai reunir com associações de moradores e comerciantes para discutir o assunto.
Para os moradores, a decisão camarária fica aquém do desejado. É que o problema do ruído e do consumo de álcool na rua parece continuar fora de controlo. “Estão a abrir espaços de ‘galerias de arte’ e ‘associações culturais’ com bares de apoio, mas na prática têm como actividade principal a venda de bebidas, até porque a Câmara de Lisboa concede os mesmos horários de funcionamento dos bares”, acusa Ana Andrade, do movimento de moradores Aqui Mora Gente.
“Os bares vendem para o espaço público, os jovens trazem as bagageiras dos carros repletas de álcool, os vendedores ambulantes trazem mochilas com álcool”, continua, descrevendo um cenário de ruas conspurcadas, gritarias e desacatos permanentes, e criminalidade. “Têm que existir restrições à venda e consumo de álcool no espaço público, fora dos locais licenciados, como acontece noutras cidades europeias, Londres, Paris, Amesterdão, Madrid, Barcelona”, defende.
Também para a Associação Cais do Sodré, que representa proprietários de bares e espaços de diversão nocturna daquela zona, a restrição de horários dos bares “não é solução”. “O problema está na regulação do espaço público”, sublinha Gonçalo Riscado, da direcção da associação.
Na sua opinião, muitos estabelecimentos serão prejudicados. “Vão ressentir-se” porque perdem tempo “útil” de funcionamento, uma vez que as horas de maior movimento são entre as 2h e as 4h, devido ao próprio “ritmo do processo de diversão” dos portugueses, afirma.
Ainda assim, Gonçalo Riscado concorda com a uniformização de horários, embora considere desnecessário antecipar a hora de fecho. Na opinião deste proprietário, bastaria proibir os bares de venderem bebidas para o exterior a partir de determinada hora, obrigando-os a funcionar “para dentro”, com mais oferta cultural. É essa a proposta que a Associação Cais do Sodré fará durante a consulta pública do despacho camarário.
A restrição de horários, que Duarte Cordeiro apresentou nesta quarta-feira na reunião do executivo, surge pouco depois de vários movimentos de moradores do Cais do Sodré, Bairro Alto, Santos e Bica terem lançado uma petição pública a apelar a uma reacção da sociedade civil para combater a “absoluta ausência de regras de vivência em comunidade” a que se assiste nos bairros históricos da capital.