O partido da cidadania

A experiência das primárias deve encorajar o PS a evoluir para um modelo de partido que tenha como principal massa crítica os seus simpatizantes/eleitores.

É indiscutível que estas primárias foram, antes de mais, uma vitória da cidadania. A mobilização em torno do PS gerada por este processo não tem paralelo no quadro partidário em Portugal.

A vitória de António Costa assume, assim, uma legitimidade reforçada, quer por via do número recorde de votantes, quer por via da natureza do universo eleitoral, constituído maioritariamente por eleitores exteriores às estruturas do partido.

Esta experiência permitiu ainda desfazer os “mitos urbanos” alimentados por alguns dos sectores mais conservadores das nomenklaturas partidárias e académicas ligadas à ciência política, que agitavam um rol de inenarráveis perigos para a democracia, acaso os partidos cedessem à tentação “populista” de abrir o processo de escolha do seu responsável máximo aos cidadãos não ungidos pela iniciação partidária.

Este processo veio demonstrar que a democracia representativa sai enriquecida e fortalecida desta experiência, que a política se qualifica e se credibiliza aos olhos dos cidadãos com o aprofundamento dos mecanismos de participação e que os portugueses estão disponíveis para responder com entusiasmo aos processos de abertura dos partidos à cidadania.

O que é espantoso neste processo das eleições primárias do Partido Socialista é que quem menos respondeu à chamada foram os próprios militantes, uma vez que os simpatizantes inscritos eram em maior número do que os militantes que constavam dos ficheiros do PS e a adesão eleitoral entre os simpatizantes inscritos foi presumivelmente maior do que entre os militantes filiados, com e sem quotas pagas.

Estas primárias vieram assim demonstrar que o conjunto de cidadãos que se identifica com o PS e que está disponível para o assumir é em número muito superior aos seus putativos militantes, e que provavelmente há um enorme “ficheiro morto” e um número muito significativo de “militantes-fantasma”, que inflacionam e desvirtuam o número efectivo de membros do partido.

Por outro lado, fica claro que há um conjunto muito alargado de cidadãos que quer participar na vida do PS, mas que não se identifica com a velha lógica militante, que aos olhos da maioria dos portugueses perdeu a sua pureza original e que é hoje percepcionada pela opinião pública como um mundo pouco recomendável, que simboliza o que de mais nefasto existe na acção política, minando a confiança dos cidadãos na democracia.

As primárias constituíram um sinal de que é possível reverter a má imagem que os cidadãos têm dos partidos e da actividade política e demonstraram que o PS ganha atractividade e gera adesão e entusiasmo quando se liberta da lógica “claustrofóbica” que impera no seu funcionamento interno e franqueia as portas aos seus simpatizantes/eleitores, que constituem a sua efectiva base social de apoio.  

Em resultado da bem sucedida experiência de cidadania que as primárias constituíram é fundamental que o PS promova agora a sua própria reforma institucional, transformando o seu modelo de organização e de funcionamento interno, no sentido de instituir e internalizar a participação dos seus simpatizantes/eleitores na vida do partido. Essa é a melhor forma de corresponder, quer à confiança que recebeu de milhares de cidadãos, que responderam ao seu apelo e participaram de forma maciça nas primárias, quer às enormes expectativas que esta iniciativa inovadora gerou na sociedade portuguesa.

A experiência das primárias deve encorajar o PS a evoluir de um modelo de partido assente exclusivamente nos seus militantes para um modelo de partido que tenha como principal massa crítica os seus simpatizantes/eleitores. Uma mudança de paradigma que permita atrair os cidadãos para o centro da actividade partidária.   

Depois do enorme capital de credibilidade e de confiança ganho a 28 de Setembro junto dos cidadãos, o PS não pode voltar atrás. Há, na democracia portuguesa, um antes e um depois das primárias do PS. Há hoje, indubitavelmente, um novo PS, que teve a coragem de derrubar o muro que teimava em separar o cidadão comum da actividade partidária.

Derrubado que está o muro que impedia a entrada dos cidadãos na vida do PS, um dos maiores desafios que agora se colocam a António Costa – o mais legitimado dos líderes partidários portugueses – é transformar o PS no grande partido da cidadania.

Sem dúvida que esse é o caminho que mais facilmente o poderá levar a conquistar a confiança e o coração da maioria dos portugueses.

Militante do PS, especialista em Comunicação

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