Candidatos moderam os ataques, mas a tensão continua na campanha presidencial brasileira
No terceiro confronto televisivo, a Presidente Dilma Rousseff e o senador Aécio Neves mantiveram a calma e refrearam a agressividade.
A tensão continua palpável no ar, mas no terceiro debate presidencial, na TV Record domingo à noite, nenhum dos dois concorrentes perdeu a paciência ou a compostura, nem recorreu a ataques pessoais para desmerecer o adversário. “Muito boa essa pergunta que a candidata fez”, observou o candidato tucano (assim chamado porque esse é o animal que representa o PSDB), logo na primeira intervenção de Dilma. “Hoje eu vou falar de propostas porque acho que é isso que o pessoal quer ouvir”, sublinhou a Presidente candidata à reeleição.
A forte reacção pública (e publicada) após o debate da passada quinta-feira, marcado por provocações e insinuações de parte a parte, obrigou os marqueteiros a afinar a sua mensagem – a agressividade levou o Supremo Tribunal Eleitoral, que supervisiona o processo e administra a justiça eleitoral, a reforçar a sua intervenção e agir com mais rigor na autorização da propaganda das candidaturas, por causa do “teor belicoso” dos vídeos, considerado um “desserviço” à democracia.
“O horário eleitoral não é para ser um locus de ataques e ofensas recíprocas, de índole pessoal, mas sim para a divulgação e discussão de ideias e planos políticos, lastreados no interesse público e balizados pela ética, decoro e urbanidade”, escreveu um dos juízes do TSE, Tarcísio de Carvalho Neto, na deliberação que impediu a divulgação de uma peça do PT contra Aécio Neves. Nos últimos quatro dias, aquele tribunal vetou a divulgação de 14 peças de campanha dos dois candidatos (e espera-se a decisão em nove pedidos de autorização ainda pendentes).
As campanhas moderaram a dureza ou rispidez verbal, mas não abandonaram os respectivos planos de combate: a “desconstrução” da imagem de Aécio Neves continua a ser a prioridade dos petistas, com o objectivo de elevar o grau de rejeição do eleitorado à candidatura rival; no campo social-democrata, o discurso continuará a ser de injustiça e vitimização, com o candidato e os seus familiares a denunciar a “táctica do ódio” e o “ambiente de infâmia” dos adversários. Os assessores da campanha do PSDB manifestaram a sua satisfação pelo tom mais ameno do debate no domingo, mas referiram que a estratégia de “bateu, levou” é para seguir até ao fim da campanha.
E como assinalava esta segunda-feira o analista do Estadão, José Roberto de Toledo, a “onda de ódio” que tem marcado a campanha eleitoral não se esgota nas falas dos candidatos em debates ou nos vídeos do horário eleitoral gratuito. A “anticampanha”, como lhe chama, prossegue com virulência no espaço público, alimentada pelas redes sociais: ainda que o debate de domingo se tenha pautado por uma respeitosa discordância entre os dois adversários, não deixaram de aparecer “memes” na Internet achincalhantes para os candidatos.
A emissão não ignorou os temas quentes e polémicos da campanha, sobretudo o escândalo de corrupção na Petrobras, que dominou uma boa parte do debate. O candidato tucano tentou pressionar a Presidente sobre o assunto, aproveitando o facto de o jornal Estado de São Paulo ter feito manchete com a primeira admissão de Dilma de que houve desvios de dinheiros na estatal petrolífera (e uma notícia ao lado a referir transferências clandestinas para financiar a campanha para o Senado de Gleisi Hoffmann, que foi ministra da Casa Civil da Presidente até Fevereiro).
O social-democrata quis também discutir a gestão da Petrobras, que foi presidida por Dilma até 2010. Foi na resposta que a petista se mostrou mais assertiva, frisando que o PSDB “não tem a menor moral para falar em valor da Petrobras”, lembrando que “vocês venderam 30% da empresa a preço de banana” e considerando que a estratégia de denegrir a imagem da petrolífera que é seguida pelo partido é que tem o potencial de destruir valor – talvez porque “os senhores gostariam mais de ver a Petrobras dividida entre as empresas internacionais”.
Uma análise comparativa dos vídeos eleitorais divulgados pelas duas campanhas durante a última semana, feita pelo jornal Folha de São Paulo, mostra que o PT está mais ao ataque, com 20 anúncios de ataque directo a Aécio Neves, num total de 27 filmes publicitários de 30 segundos (em 23 anúncios radiofónicos, 15 eram contra o adversário). No entanto, a candidatura tucana não pode reclamar inocência: embora recorra menos frequentemente ao expediente, a campanha de Aécio divulgou nove vídeos de ataque a Dilma, em 21 transmitidos ao longo da semana. Na rádio, foram metade: em 12 anúncios, seis eram de crítica à adversária.
O fenómeno da campanha negativa está estudado e documentado, principalmente nos Estados Unidos, onde as eleições cada vez mais se decidem na base da rejeição e não da aprovação de um determinado candidato. “Os eleitores dizem sempre nas sondagens que detestam os anúncios negativos, mas as mesmas sondagens demonstram que eles funcionam”, explicava o antigo conselheiro de Bill Clinton agora convertido em analista político, Dick Morris, no auge da campanha que levou Barack Obama à presidência norte-americana.
Um estudo das Universidades de Notre Dame e do Texas, divulgado nesse período, confirmava a eficácia dos anúncios negativos na influência do comportamento dos eleitores: a publicidade negativa é mais eficiente do que a positiva em termos de persuasão. Os investigadores comprovaram que quando confrontados com um anúncio negativo a criticar um candidato, os eleitores sentiam-se mais motivados a apoiar o concorrente debaixo de fogo ou a mudar para o campo daquele que liderava o ataque.
O bê-á-bá das campanhas negativas passa pela associação de um determinado candidato a personalidades ou factos que são rejeitados pela sociedade, levando o eleitorado a questionar a sua personalidade ou carácter, e assustar os eleitores com os “riscos” ou “perigos” da sua eleição. Assim, enquanto a campanha do PT tenta colar a Aécio a imagem de um homem elitista e arrogante, que desrespeita as mulheres ou as leis, a candidatura tucana lembra a toda a hora que o partido da Presidente tomou conta do aparelho de Estado em benefício próprio. Se no caso da eleição de Aécio, o risco apontado é o do fim dos programas sociais, no caso da reeleição de Dilma, o que é garantido é a corrupção e o caciquismo.