Kripa Panday chegou mesmo a tempo de nascer na Maternidade Alfredo da Costa

O nepalês Krishna Raj Panday quis trazer a mulher grávida para viver com ele em Lisboa. Os reagrupamentos familiares representam quase metade das novas concessões de autorizações de residência a estrangeiros. Os imigrantes que ficam em Portugal querem mandar vir os familiares que ficaram para trás.

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Urmila chegou a Portugal grávida de oito meses e a pequena Kripa nasceu no mês passado Miguel Manso

A nepalesa Urmila é um dos mais recentes casos de autorização de residência por motivos de reagrupamento familiar. A lei garante aos imigrantes com a sua situação legalizada o direito a mandarem vir a família, por exemplo filhos ou cônjuges, desde que provem que têm meios de subsistência. O número de estrangeiros que entra em Portugal continua a diminuir mas os que ficam no país querem, cada vez mais, mandar vir os familiares que deixaram para trás nos seus países de origem. As reunificações familiares representam quase metade das novas concessões de autorizações de residência a estrangeiros.

Longe vão os tempos em que Portugal era um destino apetecível para estrangeiros em busca de trabalho. Só entre 2012 e 2013 houve uma quebra de 13,7% dos novos títulos de residência, referem dados do Serviços de Estrangeiros e Fronteiras. Ao mesmo tempo, com a crise económica, o grosso das entradas de imigrantes em Portugal deixou de ser por razões económicas e o que se nota nos últimos anos é um aumento do peso das autorizações de residência por reagrupamento familiar, refere o investigador do Centro de Estudos de Sociologia da Universidade Nova de Lisboa José Carlos Marques, autor de um estudo sobre o impacto das políticas de reagrupamento no país.

Olhando para os números do ano passado, constata-se que os reagrupamentos representam cerca de 45% do total de novas autorizações de residência: foram 12.224 face a apenas 6.394 autorizações de residência por motivos de trabalho, num total de 26.593 novas autorizações de residência, referem dados do Eurostat. O aumento dos reagrupamentos familiares “é um sinal de que a comunidade está estabilizada. Os que estão cá ficam por cá”, diz o sociólogo. A maior parte dos pedidos vêm de brasileiros e cabo-verdianos, os nepaleses como Krishna são apenas cerca de 2500. O modelo clássico continua a ser mais o do homem que chegou primeiro e manda vir a mulher e os filhos, explica José Carlos Marques.

Viajar até ao Nepal é um grande investimento e Krishna foi até lá em Outubro de 2013 para conhecer a noiva sugerida pelos pais, que é de uma aldeia não muito longe da sua, no distrito de Chitwan. “Fui até casa dela para a ver, falei com a mãe dela, com a irmã dela e com ela mesmo”, lembra o nepalês que aprendeu quase todo o seu português a trabalhar durante cinco anos na cozinha de um restaurante italiano chamado Amore Mio, em Lisboa.

“Falávamos da vida dela desde que nasceu”, Urmila é mais nova que ele sete anos. As conversações continuaram uns dois meses, não havia tempo para mais. “Eu gostei dela. A escolha foi minha”, reitera. Casou em Dezembro de 2013, 350 convidados do lado dele, 175 do lado dela e, já regressado a Portugal, soube que Urmila tinha ficado grávida. Ficou feliz, nessa altura nem pensou em burocracias.

Processo burocrático
O nepalês, que agora é empregado de balcão de um pequeno supermercado de um seu conterrâneo em Lisboa, reuniu a documentação e depois foi preciso esperar e esperar, ou assim lhe pareceu. Três a seis meses é um prazo normal para este tipo de processos, esclarece a mediadora Júlia Cruz, do gabinete de apoio ao reagrupamento familiar que funciona no Centro Nacional de Apoio ao Imigrante de Lisboa, uma espécie de loja do cidadão para estrangeiros. Muito depende dos consulados nos respectivos países.

O processo burocrático para a tentar trazer começou em Fevereiro de 2014. Mas tudo foi em contra-relógio. Não é a primeira vez que o gabinete tenta apressar um processo de reagrupamento familiar antes que este se torne em dois e tudo tenha que começar do início, refere Júlia Cruz. É que se a bebé tivesse nascido no Nepal Krishna teria que accionar dois processos e teria que ganhar mais do que ganha.

Com dois adultos a lei exige 648 euros de rendimento mensal, com a criança já nascida  Krishna teria de ganhar por mês 777 euros. Por cada filho  a necessidade de acréscimo de rendimentos sobe 30%, esclarece Júlia Cruz. Foi por um triz. A autorização de residência chegou em Agosto, Urmila viajou no limite da gestação, com 35 semanas (cerca de oito meses), veio na Turkish Airlines com uma declaração médica a autorizar a longa viagem, depois  já nenhuma companhia aérea a deixaria embarcar. A grávida chegou em Agosto, a bebé Kripa nasceu a 6 de Setembro.

As poucas palavras que Urmila sabe em Português, “sim”, “obrigada”, “boa tarde”, aprendeu na Maternidade Alfredo da Costa, onde a bebé nasceu com 3300 kg. O pai Krishna continua a falar com os seus pais todos os dias, eles vêem a neta pelo Skype e pelo Facebook. Do Nepal continua a receber instruções sobre como proceder. Quando Kripa fez seis dias Krishna falou com o pastor hindu, que o mandou acender uma vela com óleo de mostarda e mantê-la durante seis horas junto da bebé, aos 11 dias mandou os pais porem o telemóvel junto ao ouvido da recém-nascida para que ela ouvisse o seu nome hindu, Jiwika, que significa vida, quando fizer seis meses vai comer o seu primeiro arroz. E assim sucessivamente.

Andam cansados, apesar de Kripa ser um bebé calmo. Quando tiverem tempo querem saber como pode a bebé tornar-se portuguesa. Tendo nascido em Lisboa, para adquirir a nacionalidade basta que um dos pais resida legalmente em Portugal há pelo menos cinco anos, que é o que acontece com Krishna. A vida parece estar a organizar-se. E os pais de Krishna tinham razão. A noiva sugerida que agora é sua mulher “é bonita e simpática”. Ele fez bem em escolhê-la e trazê-la para Portugal.

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