Sessão de “pancadaria verbal” pode ter afastado ainda mais os indecisos das urnas
"Mentira" foi a palavra mais usada no segundo debate entre Dilma Rousseff e Aécio Neves, marcado por provocações e acusações.
Entre os fiéis, os desempenhos da Presidente Dilma Rousseff, que corre por um segundo mandato e a manutenção do Partido dos Trabalhadores (PT) no poder, e do seu opositor Aécio Neves, o ex-governador de Minas Gerais que representa a mudança em nome do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB, conhecido como "os tucanos"), convenceram e agradaram. Dilma esgrimiu argumentos com mais convicção e desenvoltura do que no primeiro duelo televisivo, e Aécio manteve a calma debaixo de fogo, introduzindo uma nota de empatia e diálogo directo com o eleitor/telespectador.
Mas para aqueles (poucos) que não estão a acompanhar a campanha eleitoral com o tipo de devoção que costuma dedicar-se aos clubes de futebol, a emissão revelou-se uma desilusão – um rotundo fracasso. De tal maneira que a imprensa até se dedicou a fazer reportagem das reacções negativas que tomaram conta das redes sociais, nas quais milhares de eleitores anunciavam que a única decisão possível depois de ouvir os dois candidatos era o voto nulo.
Essa foi, aliás, a única movimentação na tendência de voto que as sondagens realizadas desde a primeira volta detectaram: os inquéritos realizados tanto pelo instituto Ibope como o Datafolha mostravam os dois candidatos empatados (com uma ligeira vantagem de Aécio Neves, que tem 51% dos votos válidos contra os 49% de Dilma Rousseff) exactamente com a mesma percentagem de votos de uma semana para a outra: a mudança, nesse período, foi do aumento de brancos e nulos e também do número de indecisos.
“Para Aécio, manter essa vantagem estreita é má notícia. A campanha esperava que essa pesquisa mostrasse o candidato uns quatro ou cinco pontos à frente de Dilma. Mas, aparentemente, a propaganda negativa capitaneada pelo marqueteiro do PT, João Santana, vem surtindo efeito: a taxa de rejeição de Aécio subiu de 34% para 38%”, assinala a colunista do jornal Folha de São Paulo Patrícia Campos Mello.
Com pouca substância em termos da apresentação de propostas concretas para a governação, o segundo debate da segunda volta – organizado pelo canal de televisão SBT, a rádio Jovem Pan e o site UOL – prolongou o despique “dizes-tu-digo eu” entre os dois concorrentes, que em réplicas e tréplicas se foram acusando mutuamente de “mentira”, “manipulação dos factos” ou “inverdade”. “Por que a senhora mente tanto?”, perguntava Aécio. “Quem mente é você”, respondia Dilma.
A maior novidade no debate foi o grau de agressividade de Dilma e Aécio: no rescaldo, os comentadores lamentaram a “pancadaria verbal” e as “traulitadas violentas de ambas as partes”, e as análises políticas recorriam à linguagem desportiva para comparar o debate com um combate de boxe.
O “caso do bafômetro”
Entre os vários rounds, os dois adversários conseguiram introduzir factos novos à discussão da campanha: o ataque, desta vez, englobou a esfera privada, com acusações de nepotismo, uso de dinheiros públicos e com insinuações mútuas de falhas de carácter.
A Presidente Dilma Rousseff seguiu a cartilha de “desconstrução” do adversário que já tinha sido ensaiada, com sucesso, na primeira volta. Nessa altura, a “vítima” foi Marina Silva, que agora apoia a candidatura de Aécio Neves – a petista acusou insistentemente o candidato do PSDB de nepotismo e elitismo e trouxe para a arena o chamado “caso do bafômetro”, que descredibiliza o "tucano" e reforça a sua imagem de playboy, sobranceiro e até insolente.
Em 2011, Aécio Neves foi mandado parar numa operação stop no Rio de Janeiro, mas recusou submeter-se ao teste de alcoolemia, preferindo arcar com a multa por conduzir com um documento inválido (o prazo da carta de condução tinha expirado ). O caso até agora só era motivo de comentário nas redes sociais, mas Dilma resolveu perguntar ao candidato qual era a sua opinião sobre a “lei seca” aprovada pelo seu Governo, que, nas suas palavras, “impede que condutores embriagados ou drogados” possam pôr em risco a segurança de quem circula no trânsito.
O golpe incomodou claramente Aécio, que mais uma vez manifestou remorsos pelo seu comportamento e lamentou a campanha “historicamente baixa” do PT. O homem do PSDB foi forçado a jogar à defesa, ainda quando a Presidente se propôs desfiar os casos de corrupção envolvendo o seu partido ou o seu governo no estado de Minas Gerais – que, denunciou Dilma, deu emprego a vários membros da família Neves.
Aécio passou rapidamente da defesa para o ataque ao explicar o trabalho da sua irmã, Andrea, no governo estadual. “Eu não queria chegar a este ponto. Mas o seu irmão, Igor Rousseff, foi nomeado pelo prefeito Fernando Pimentel e nunca apareceu para trabalhar. A minha irmã trabalha muito e não recebe nada; o seu irmão recebe e não trabalha nada”, vincou. “A senhora diz que não nomeia parentes, mas pede aos seus aliados para nomearem”, prosseguiu. Dilma interrompeu: “A sua irmã e o meu irmão não podem estar no mesmo governo que nós estamos. Isso é nepotismo.”
Aécio Reagan
“Se os dois debates restantes forem novamente marcados pela táctica da desconstrução de candidaturas sem limites, a taxa de rejeição poderá tornar-se um factor muito mais importante para a eleição do que as propostas para Saúde, Educação, Segurança ou outras áreas prioritárias para o pais”, assinalava Marcelo de Moraes, director do jornal Estado de São Paulo em Brasília.
Os escândalos de gestão da petrolífera estatal Petrobras, o tema quente da campanha por causa das denúncias de sobrefacturação e do pagamento de subornos a políticos foram abordados para nova troca de galhardetes. O social-democrata lamentou que a corrupção seja uma espécie de imagem de marca do PT; a Presidente informou que entre os participantes no esquema da Petrobras estava também o ex-presidente do PSDB Sérgio Guerra, que morreu no ano passado.
Embalado pelo apoio explícito da conceituada revista The Economist, que fez da eleição brasileira tema de capa da última edição, Neves concentrou-se em desfazer a gestão económica do PT, que a publicação britânica classificou como “a maior ameaça aos programas sociais” que beneficiam os mais desfavorecidos. Depois de censurar a inflação alta e o crescimento baixo, Aécio olhou para a frente e questionou directamente o eleitor: “Você hoje consegue comprar o mesmo que comprava há seis meses?” A pergunta foi tirada a papel químico da campanha presidencial de Ronald Reagan em 1980 – nessa altura, o argumento ecoou junto da sociedade norte-americana e o conservador venceu a eleição.