Afonso Reis Cabral vence Prémio Leya com O Meu Irmão

Autor tem 24 anos e é descendente do autor de Os Maias, Eça de Queiroz.

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O júri, que se reuniu esta quinta e sexta-feira, incluía ainda os escritores Nuno Júdice, Pepetela e José Castello, o ensaísta José Carlos Seabra Pereira, da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Lourenço do Rosário, Reitor do Instituto Superior Politécnico e Universitário de Maputo, e Rita Chaves, professora da Universidade de São Paulo.

Na conferência de imprensa de apresentação do prémio estiveram também o Presidente Executivo da LeYa, Isaías Gomes Teixeira, o director-coordenador de Edições Gerais da LeYa, e João Amaral, Secretário do Prémio LeYa. O Meu Irmão foi escolhido entre 361 originais, de autores de 14 países.

Na sua declaração, o júri observa que o livro premiado “trata de um tema delicado” e que “poderia suscitar uma visão sentimental e vulgar: a relação entre dois irmãos, um deles com síndrome de Down”. No entanto, acrescenta a nota, “a realidade é trabalhada de uma forma objectiva e com a violência que estas situações humanas podem desenvolver, dando também um retrato social que evita tomadas de decisão fáceis, obrigando a um investimento numa leitura que nos confronta com a dificuldade de um mundo impiedoso”. E há ainda no romance, diz o júri, “uma tonalidade lírica”, que surge “na relação que se estabelece entre dois deficientes e que salva, através de apontamentos de poesia e de humor, o desconforto de quem vive este problema”.

Afonso Reis Cabral nasceu em Lisboa, em 1990, e cresceu no Porto onde estudou, no Colégio dos Cedros até ao 9.º ano e depois na Escola Secundária Rodrigues de Freitas. Em 2005 publicou o livro de poemas Condensação onde reúne poemas escritos entre os 10 e os 15 anos. Escreve desde os nove anos, começou na poesia e depois experimentou a prosa. Em 2008 ficou em 8.º lugar no 7th European Student Competition in Ancient Greek Language and Literature entre 3532 concorrentes de 551 escolas europeias e mexicanas, tendo sido o único português a concorrer.

É licenciado em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Universidade Nova de Lisboa, instituição onde obteve também um mestrado em Estudos Portugueses. Foi revisor em diversas editoras e sempre se imaginou a trabalhar na área cultural. Trabalha actualmente na editora Alêtheia, de Zita Seabra, como coordenador editorial.

A primeira edição do Prémio Leya teve lugar em 2008 e premiou o jornalista e escritor brasileiro Murilo Carvalho pelo seu romance O Rastro do Jaguar. No ano seguinte venceu o romance O Olho de Hertzog, do moçambicano João Paulo Borges Coelho, e na edição de 2010 o júri decidiu, por unanimidade, não atribuir o prémio, alegando a falta de qualidade dos originais a concurso. Em 2011 foi distinguido o romance O Teu Rosto Será o Último, estreia literária do português João Ricardo Pedro, e em 2012 venceu o também português Nuno Camarneiro, com o romance Debaixo de Algum Céu. O prémio de 2013 foi atribuído a uma portuguesa residente em Londres, Gabriela Ruivo, pelo romance Uma Outra Voz.

O Meu Irmão é o primeiro romance que Afonso Reis Cabral deu por terminado. “É o primeiro que concluo”, disse ao PÚBLICO. “Tinha escrito uns primeiros capítulos, umas porcarias, nada de especial, ideias que depois não funcionavam”. O problema, explica, é que “nunca tinha agarrado uma história que conhecesse”.

Foi o que fez desta vez, embora o livro não seja autobiográfico. Salvo no sentido, precisa, em que “há sempre um fundo autobiográfico em toda a literatura”. E para sublinhar o carácter ficcional de O Meu Irmão, lembra que o seu autor civil tem 24 anos, ao passo que o narrador do romance é um homem que “está quase nos seus 50 anos”. Em todo o caso, acabou de receber o prémio LeYa, a obra ainda não está publicada, e acha que é prematuro estar neste momento a abordar o que no livro possa haver de mais directamente inspirado na sua experiência pessoal. “É tão recente que quero pensar antes de falar”, diz.

Começou este romance pouco depois de acabar o curso e trabalhou nele cerca de três anos: “um a meio-gás e dois a trabalhar a sério”. Pelo meio foi trabalhando em editoras e reconhece que a sua experiência profissional como revisor e editor o ajudou, mas sobretudo porque implicava ler, algo que já fazia desde muito novo. “É impossível escrever sem ler, sem o contacto com outros livros”, reconhece, mas o olhar mais técnico e ajuizador que o seu actual ofício lhe exige enquanto leitor de pouco lhe serviu para avaliar o seu próprio romance. “Não consigo lê-lo como leitor distanciado, não consigo sequer ter noção do todo do livro”.

Com família paterna do Porto e família materna de Lisboa, nasceu na capital e cresceu no Porto, tendo voltado a Lisboa, onde hoje vive, para ingressar na Universidade Nova. É pelo lado do pai que é trineto de Eça de Queiroz. “Claro que é uma honra ser trineto dele e não renego essa influência”, mas não crê que a “coincidência genética” seja “essencial” para explicar o seu interesse pela escrita. “Se fosse essa a pedra de toque, todos os descendentes de Eça de Queiroz escreviam”.

No entanto, diz, até há mais quem escreva na família e, no seu caso, “esse foi sempre um caminho encorajado”. Leitor desde muito novo, compunha poemas desde a infância e sempre lhe pareceu que “o natural é escrever”. Já este prémio e a futura publicação do livro são apenas "consequências que aparecem ou não aparecem”. Mas está satisfeito de que que tenham aparecido, até porque já andava a matutar no destino a dar ao original caso não vencesse o prémio.

Não estaria propriamente a contar ganhar, mas reconhece que “se não tivesse alguma confiança, não tinha submetido o livro a concurso”. No entanto, o prémio acabou mesmo por ser uma surpresa total. É que, explica, “não sabia que contactavam o vencedor tão em cima do anúncio público, de modo que aí pelas 11h15 já tinha perdido toda a esperança”.

Em relação ao livro propriamente dito, mostra-se refrescantemente pouco loquaz. Como é editor e sabe que o número de páginas de um livro depende de opções editoriais, prefere nem sequer indicar a sua dimensão aproximada. “Posso dizer que não é um romance breve”. A publicação é agora “o que importa mais”. E depois escrever outros livros. “É impossível não continuar a escrever”.

Quando leu o original de O Meu Irmão, sem fazer a mínima ideia de quem o autor pudesse ser, o poeta e ficcionista Nuno Júdice presumiu que “seria alguém com mais experiência, com aquelas vivências que aparecem no livro, que são fortes e violentas”. E confessa que ao iniciar a leitura do romance, chegou mesmo a ocorrer-lhe, “talvez por causa do tema”, que pudesse ter sido escrito por uma mulher. Afinal, era um rapaz de 24 anos que Júdice, por acaso, até conhecia: “Quando ainda andava no ensino secundário, apareceu-me na faculdade a pedir-me para assistir a um curso livre que eu estava a dar”.

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