O cinema “televisivo” português: vai ou racha?

Sempre houve a televisão interessante e o cinema desinteressante, e vice-versa. Reitero o que disse anteriormente, mas agora de maneira um pouco diferente: formato não é lei, nem réu, e muitos menos é sentença

Foto
DR

Na crítica que produziu para o PÚBLICO, a propósito de “Os Gatos Não Têm Vertigens”, Jorge Mourinha traz à superfície uma série de observações importantes acerca de um paradoxal cinema português e do modo como este é norteado por quem está do lado de dentro e observado por quem está do lado de fora.

Todos os aspectos negativos apontados parecem incidir sobre uma decisão técnica e estética fulcral: a “linguagem” visual que o filme adopta. Considerando-a demasiado “televisiva”, o crítico reconhece neste filme os clichés “telenoveleiros” e considera que esta abordagem tributária da “trash tv” não é apropriada nem dignificante para o contexto cinematográfico e trata de despromover “Os Gatos Não Têm Vertigens”, bem como outros campeões de bilheteira similares, a meros “produtos audiovisuais de formato televisivo”. Se por um lado pode ser verdade que a aposta em fórmulas classicamente consideradas pelos estudos fílmicos como sendo “televisivas” é uma tendência existente, por outro, poder-se-á argumentar que há aqui um erro de cálculo na equação “cinema televisivo = sucesso comercial”.

Basta ver que filmes desse género como “A Arte de Roubar” (29 361 espectadores), “Contrato” (45 570), ou “Second Life” (90 194) tiveram números de espectadores modestos quando comparados com “O Crime do Padre Amaro” (380 671), “Morangos com Açúcar” (230 323) ou “7 Pecados Rurais” (324 050). Aliás, várias tentativas mais “popularuchas” tiveram resultados desastrosos, como “A Teia de Gelo” (5085) , “O Bairro” (18 755), ou “RPG” (22 855). Adicionalmente, alguns filmes de cariz mais autoral chegaram quase a rivalizar em números com os primeiros desta lista e a ultrapassar os três últimos que referi. Por exemplo: “Filme do Desassossego” (28 746), “Os Maias” (43 600), ou “Tabu” (23 436) (fonte dos dados: Instituto do Cinema e Audiovisual).

Perante o exposto, talvez seja mais produtivo tentar encontrar muitas das respostas para o sucesso ou insucesso de um filme noutro lado que não no filme em si ou nas linguagens visuais e narrativas utilizadas pelas equipas (nomeadamente quando não estão em causa tentativas artísticas radicais).

Pode efectivamente ser frustrante ver uma opção estilística desta natureza tolher o potencial a um guião promissor. Mas quantas vezes não acontecerá o mesmo no outro sentido? Não haverá mensagens relativamente simples a ser envoltas numa sobre-intelectualização conteptual (que tantas vezes serve apenas para mascarar uma simplicidade oca, desinspiração e/ou um simples vazio de ideias, situações que qualquer artista com um mínimo de ego tem vergonha de expor a nu) que coloca em cheque a sua transmissão para o espectador?

Não há fórmulas à prova de bala nem armas de fogo que não disparem pela culatra. Sempre houve a televisão interessante (de Rossellini, de Godard, de Fincher e de Lynch) e o cinema desinteressante, e vice-versa. Reitero o que disse anteriormente, mas agora de maneira um pouco diferente: formato não é lei, nem réu, e muitos menos é sentença.

Sugerir correcção
Comentar