Bryan Adams: "Na fotografia, o equipamento não nos salva; o instinto, sim"

Nos intervalos dos concertos, Bryan Adams fotografava (coisas malucas...). Um dia, entrou no estúdio de Herb Ritts e a faísca deu lume. Tornou-se um dos grandes retratistas da última década e meia, como mostra Exposed, no Centro Cultural de Cascais

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Ben Kignsley, Londres, 2010 Bryan Adams
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Ben Kignsley, Londres, 2010 Bryan Adams
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Lindsey Lohan, Nova Iorque, 2007 (esta fotografia não está na exposição de Cascais) Bryan Adams
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Aldina Duarte, Lisboa, 2014 Bryan Adams
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Amy Winehouse, Mustique, 2007 Bryan Adams
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Billy Idol, Los Angeles, 2008 Bryan Adams
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Gisela João, Lisboa, 2014 Bryan Adams
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Tilda Swinton (esta fotografia não está na exposição de Cascais) Bryan Adams

 Bryan, hoje na casa dos 50, tinha 16 anos, altura em que formava a sua cultura musical (o álbum presta homenagem às canções desse tempo). Precisamente nesse momento ganhava corpo outra paixão, que nunca deixou de acompanhar este rocker mas que até há uma década era uma faceta praticamente desconhecida – a fotografia.

O retrato de Bryan Adams foi tirado por um amigo no intervalo das aulas de arte e fotografia que ambos frequentavam em finais dos anos 70. O que quer dizer que Adams e a fotografia já namoram há algum tempo. Apesar de a chama deste casal nunca se ter apagado, esta paixão foi-se fazendo às escondidas, em quartos de hotel, nos tempos mortos entre concertos. E só no final da década de 90, a procura de um auto-retrato para a capa de um disco fez com que o fogo se propagasse de maneira incontrolável. O célebre fotógrafo de moda americano Herb Ritts (1954 – 2004) deu a Bryan Adams o empurrão que faltava para que a fotografia passasse de um namorico despreocupado para um casamento com comunhão de bens.

Ao longo dos últimos 15 anos, o músico canadiano foi dando forma a uma impressionante galeria de retratos. É uma constelação onde está reunida parte considerável do estrelato do cinema, da música, da moda... Nessas imagens, muito mais do que a celebridade, o que se revela é a vulnerabilidade, a intimidade, a sensualidade, a força e o devaneio. Em 2012, a editora alemã Steidl publicou em livro uma selecção retrospectiva desse trabalho (Exposed), que tem sido divulgado em títulos ligados à moda como a Vogue, a Vanity Fair, a  I:D e a Zoo, co-fundada por Adams em 2004. A exposição que agora chega ao Centro Cultural de Cascais (até 1 de Fevereiro de 2015) centra-se sobretudo neste corpo de trabalho, mas inclui também imagens de Wounded – The Legacy of War, um dos projectos a que Bryan Adams se dedicou nos últimos cinco anos que revela as cicatrizes de guerra de soldados britânicos que combateram no Afeganistão e no Iraque. Não é que fosse preciso. Mas estas fotografias mostram definitivamente como Bryan Adams é muito mais do que um (bom) fotógrafo de vedetas.

Que importância tem a fotografia na sua vida, hoje?
É muito importante! Tão importante como todas as outras áreas criativas em que estou envolvido.

Foto
Bryan Adams no seu estúdio, Londres, 2011

Tornou-se famoso com a música e as pessoas identificam-no com essa arte. Essa condição tem ofuscado a segunda arte, a fotografia?
De modo algum. O facto é que provavelmente ajudou a que se tornasse mais visível. Se tivesse dado ouvidos ao que as pessoas diziam sobre a minha música no início, nunca teria sido músico. Passou-se a mesma coisa quando as minhas fotografias começaram a circular publicamente. É preciso seguir os instintos.

E qual é a sua principal ambição com o trabalho fotográfico?
Criar coisas bonitas.

O livro Exposed é sobretudo formado por retratos. É o género que mais o motiva? Que outros géneros aprecia?
Adoro fotografia conceptual, nus, natureza-morta – todo o tipo de fotografia… 

Costuma ser muito impositivo ou deixa que os retratados se movimentem?
Procuro ter sempre tudo planeado antes de começar. Discuto esse plano com toda a gente envolvida. Mas ultimamente tem havido liberdade total. E o certo é que temos chegado sempre ao que queremos.

A sequência de imagens de Ben Kingsley, por exemplo, dá ideia de que é ele quem está no comando das operações. Foi assim?
Criei um cenário para trabalhar com o Ben no meu estúdio. Durante a sessão, rimo-nos muito a propósito do filme “Sexy Beast” [2000], em que ele tinha participado. No dia em que aconteceu a nossa sessão de fotografia, o Ben como que encarnou de novo esse personagem. Foi muito divertido.

A fotografia de capa do último disco de originais de Amy Whinehouse é da sua autoria. Exposed começa com ela e termina com ela. Gostava particularmente de a fotografar? Como eram as sessões com ela?
Sempre gostei muito de trabalhar com a Amy. Ela costumava perguntar-me “O que é queres que faça?”. E eu respondia sempre “Já estás a fazer”. Ela era muito natural em frente à câmara. A ideia era apenas captar o momento, e com ela houve muitos momentos. Sinto muito a falta dela. Era muito inteligente.

No prefácio de Exposed fala de um objectivo: criar algo bonito a partir do nada. Mas o certo é que as figuras públicas que retrata não partem do nada, partem de um percurso de fama e de uma relação profissional com as câmaras. Não há aqui uma contradição?
Não há qualquer contradição. Já vi figuras públicas fotografadas de maneira pouco lisonjeira. Compete ao fotógrafo decidir como quer que as suas imagens apareçam e não aos sujeitos.

Teve alguma responsabilidade na sequenciação das imagens do livro? Há soluções gráficas particularmente eficazes, como a série de imagens de Ben Kingsley ou as de Ray Liotta. Entende o retrato como uma imagem ou várias imagens?
Sim, estive envolvido tanto na escolha das imagens como na sequenciação do livro. Às vezes, um retrato é parte de uma história. E a história pode ter outros retratos que a completam. Parece-me que é um pouco o que se passa na fotografia de moda.

Não o preocupa que demasiado glamour possa ofuscar o poder de uma imagem fotográfica, o poder de um retrato?
Sim. Mas parece-me, como já tinha dito, que compete ao fotógrafo procurar o que possa estar errado, pormenores como o styling ou a maquilhagem. O papel de um fotógrafo é muito parecido com o de um realizador.

Parece que a sessão com a rainha de Inglaterra o marcou particularmente pela quantidade de decisões que teve de tomar em pouco tempo (a sessão só podia durar seis minutos). Foi preparado com um arsenal de tecnologia, mas o que o salvou foi uma Contax que tinha no bolso. Foi uma demonstração da supremacia do talento sobre a técnica?
Na fotografia, o equipamento não nos salva, o instinto sim. Estava bem preparado para a sessão com a rainha.

O que o levou a fundar a revista ZOO?
Encontrei-me com o meu colaborador Sandor Lubbe num bar em Milão depois de um espectáculo de moda e ele começou a falar-me de fotografia. Mais tarde, ligou-me para discutirmos a ideia de fazer uma revista em conjunto. Eu sugeri que se chamasse Zoo. Foi simplesmente assim.

Foto
Lana Del Rey, Londres, 2012

Acha que ainda é possível cativar leitores para uma revista por causa da fotografia?
Sim, absolutamente. A Zoo vai comemorar o seu 10.º aniversário!

Costuma comprar fotografia? Tem alguma colecção?
Tenho comprado boas fotografias ao longo dos anos. Mas compro sobretudo em leilões de caridade.

E que tipo de imagens compra?
Tenho muitas fotografias a preto-e-branco.

Muitos teóricos dizem que é impossível coleccionar fotografia…
Não estou muito seguro que possa ser assim tão impossível. Não vejo nada de errado em ter uma pequena e bonita colecção no sítio certo.

O trabalho mais directo de Wonded (sobre soldados britânicos feridos e mutilados nas guerras do Iraque e do Afeganistão) pode ser entendido como um contraponto ao glamour espalhado em Exposed. Mas quando se olham para os retratos de um e de outro trabalho não parecem existir tantas diferenças assim na maneira de encarar os rostos. Concorda?
Sim. Porque as pessoas são pessoas.

Foto
Mick Jagger, Nova Iorque, 2008

Já disse que a memória que a fotografia potencia é um das coisas que mais aprecia neste suporte. Foi esse poder da imagem fotográfica que o levou a trabalhar no projecto Wonded?
O Governo e o Exército britânicos pensaram que podiam entrar e sair da guerra no Iraque e no Afeganistão de maneira rápida. O problema é que não avaliaram correctamente os seus adversários ou a história. A resistência foi grande e os soldados começaram a regressar desses conflitos muito marcados, aos bocados. Quis que fossem lembrados, que não fiquem esquecidos.

Que diferenças encontra entre fotografar pessoas anónimas e famosos?
Trato toda a gente de maneira igual.

Não receia algum tipo de paternalismo ou reverência para com o seu trabalho como fotógrafo apenas por ser o “Bryan Adams da música”? Como é que se defende disto?
Nunca penso nisso.

No livro Exposed mistura imagens com muita produção com outras com estética mais vernacular, (algumas podiam ter sido feitas por paparazzi). Quer explicar esta opção?
Exposed é um livro retrospectivo. Inclui fotografias feitas no início da minha carreira como fotógrafo até agora. Em alguns casos, as fotografias são muito cândidas, noutros estão carregadas de estilo. Exposed representa um corpo de trabalho muito alargado.

O fotógrafo Herb Ritts (1952 – 2002) foi um dos seus mentores. Qual foi a lição mais importante que lhe deixou?
O Herb foi muito generoso para mim. Nunca esquecerei essa generosidade. Tento passar essa ideia para os meus assistentes quando precisam de algum empurrão para evoluírem. Deixo-os usar o meu estúdio livremente.

Conta no prefácio de Exposed que a fotografia sempre fez parte da sua vida. Quando é que percebeu que podia ir mais além?
Trabalhar no estúdio do Herb Ritts e com os assistentes dele foi seguramente um empurrão. Passei de ter de fazer tudo sozinho a ter à disposição três assistentes, que hoje ainda são meus amigos e com quem ainda trabalho.

Tem saudades da Rolleiflex que o acompanhou durante muito tempo e com a qual tirou muitas das imagens de Exposed?
Sim, muito. Pensei em trazê-la de volta, mas depois percebi o trabalho extra que seria necessário e desisti.

As capas de discos e a fotografia têm um percurso comum. Continua a ser desafiante procurar uma imagem para a capa de um disco?
Continua a ser muito desafiante, mas é muito mais fácil quando temos a palavra final. Acho.

Conta-se que foi por causa de um auto-retrato para a capa de um disco que a sua paixão pela fotografia ganhou fôlego e uma faceta mais pública. Chegou a tirar a fotografia que procurava?
Sempre me envolvi muito com a fotografia. Trabalhar como músico e andar na estrada como eu andei é duro, não deixa muito tempo para outras coisas. Apesar disso, encontrei um equilíbrio na minha vida que resulta e faz com que consiga criar música e fotografia.

“Tracks of my Years”, o seu último disco, é um regresso ao passado, às músicas que o formaram como músico. Era inevitável ir buscar uma imagem ao álbum de recordações, quando tinha 16 anos?
Costumava frequentar uma cadeira de arte e fotografia e esta imagem foi captada durante um intervalo, durante o qual eu e o meu amigo Ray tiramos fotografias um ao outro. Esta fotografia capta de uma forma exemplar a essência do que eu era naquele tempo, em 1975, quando tinha acabado de fazer 16 anos.

Lembra-se de algum retrato de que goste particularmente? Quem o tirou?
Adoro a capa do álbum Reckless. A fotografia foi tirada pelo Hiro [Yasuhiro Wakabayashi], que, na altura, trabalhava para a revista Harper’s Baazar.

Disse que nos intervalos dos concertos a fotografia funcionava como um escape, um divertimento. Já avisou que essas fotografias não são para mostrar. São assim tão malucas que não possam ser vistas por todos?
Bem, algumas delas são só fotografias de maluqueiras de bastidores. São imagens muito pessoais e creio que não serão interessantes para mais ninguém.

O que é que aprendeu nesses anos de “fotografia livre”?
Aprendi a captar o momento… porque desaparece num piscar de olhos.

Qual foi a última fotografia que tirou?
Foi a de um ramo de beringelas roxas do jardim.

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