Liberdade de escolha do cheque-ensino não ajuda à qualidade e igualdade, diz Maria de Lurdes Rodrigues

Antiga ministra da Educação defende um papel mais activo do Estado na sociedade e critica a liberalização excessiva de algumas funções sociais.

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Nuno Ferreira Santos

A ideia do painel “Mais Estado, menos liberdade?” do encontro Presente no Futuro, da Fundação Francisco Manuel dos Santos, era discutir se o Estado garante, limita ou é inimigo da liberdade, mas rapidamente o debate se instalou no tema da educação, em especial na liberdade de escolha de alunos e escolas. Não admira, quando se junta uma ex-ministra da Educação, um director de uma faculdade e uma docente de relações internacionais.

Os três, porém, concordaram que não pode haver liberdade sem, nem contra, o Estado, já que este é o principal garante da liberdade individual e colectiva. Ainda que a professora Teresa Almeida Cravo admita que o Estado “não é a única forma em que nos podemos organizar para defendermos a liberdade”.

Maria de Lurdes Rodrigues e José Ferreira Machado, director da Faculdade de Economia da Universidade Nova, mostraram no entanto que estão em polos opostos quando se trata do papel do Estado. A ex-governante realçou que historicamente o Estado foi multiplicando as áreas da sua intervenção, e esse Estado Social esteve na base de um “desenvolvimento da riqueza e do bem-estar dos cidadãos sem paralelo”. Foi essa intervenção, vincou, que “proporcionou um aumento da liberdade dos cidadãos”.

E nos países sub ou em desenvolvimento há uma “grande expectativa na intervenção do Estado para resolver os problemas que estão sempre a surgir”, ou seja, para que aumente ainda mais a sua intervenção.

“O Estado não faz tudo bem; hoje não nos reconhecemos em muitas coisas que o Estado faz”, admitiu a antiga ministra, que recusou estar a defender um Estado “centrificador”. Mas, defendeu, “há mínimos que o Estado tem que garantir de qualidade - sem prejuízo de se experimentarem outras opções”. Para isso, é preciso que na sua acção o Estado tenha em conta quatro pilares: a “autonomia, o respeito pela diversidade, a regulação efectiva e o conhecimento e avaliação”.

“A crença na omnipotência do Estado como decisor central e exclusivo é mau [para o desenvolvimento] porque torna gerações permanentemente assistidas, em que as decisões fundamentais são sempre tomadas por outro", ripostou Ferreira Machado, que tem dúvidas sobre o poder do Estado para “realizar eficazmente as funções que a sociedade lhe acometeu”.

Foi então que mergulharam na questão do cheque-ensino, segundo o qual as famílias escolhem a escola para as crianças e são reembolsadas pelo Estado. Maria de Lurdes Rodrigues discorda, José Ferreira Machado é seu defensor. Porque isso proporciona a liberdade de escolha para famílias e escolas e a competição iria elevar a qualidade geral do ensino, considera este último.

A primeira falou em estudos em diversos países, como a Suécia, que mostraram que “o aumento de liberdade de escolha por parte das famílias fez também subir a desigualdade e deteriorou a qualidade do ensino”. Em Portugal “dificilmente teríamos recursos financeiros para essa solução”, avisou. Tendo em conta o escasso orçamento, o cheque-ensino só chegaria a umas poucas escolas e a escassas famílias.

O ensino nacional não tem um problema de liberdade de escolha mas sim de qualidade e de desigualdade escolar, vincou. E isso “requer investimento do Estado. Não é o mercado que resolve esse problema”. Essa qualidade, acrescentou, é “fundamental para no futuro garantir a liberdade de participação dos jovens alunos”. A educação “é o caso típico em que precisamos de mais Estado e menor liberdade de escolha”, rematou.

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