Pedro Tochas apresenta o "pior do Pedro Tochas"

Um comediante que não acredita em sonhos e viciado na energia dos espectáculos ao vivo. Assim é Pedro Tochas, que levará espectáculos ao Famous Humor Fest nos dias 25 e 27

Raquel Viegas
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Abandonou os estudos em Engenharia Química para ingressar nas artes performativas. Passou pelo Celebration Barn Theory nos Estados Unidos e pela Circomedia em Inglaterra, onde aprendeu teatro físico e artes circenses. Falámos com Pedro Tochas, aquele que será o comediante português com mais internacionalizações, sobre os dois espectáculos que vai trazer ao Famous Humor Fest.

Porque é que tens um espectáculo chamado "Este tem menos piada"?

Ao longo da minha carreira tenho piadas e segmentos que eu acho bons, mas que acabo por cortar por não resultarem como eu quero, ou por não se adequarem ao espectáculo que vou fazer. Então resolvi fazer um espectáculo onde conto esses segmentos e explico a razão porque correram mal.

É uma espécie de "worst of", então?

É isso mesmo, é o "pior do Pedro Tochas". Mas algumas acabam por ser piadas tão más que acabam por ser boas. Já experimentei fazer um pouco disto num espectáculo que dei no Teatro do Campo Alegre, no Porto, e houve gente que me veio dizer que essa parte tinha mais piada do que o material "bom". E depois, quando tens um fracasso no meio de coisas boas, corre mal, mas vários fracassos assim seguidos acabam por ter piada. Já por isso também lhe dei este nome, que é para irem avisados e não se queixarem no fim. Mas é um espectáculo que penso que é sobretudo para fãs, porque é uma conversa, e é um pouco uma reflexão sobre a minha carreira.

Carreira essa que acaba por passar muito mais pelo espectáculo ao vivo do que televisão ou rádio. O que é que te atrai nisso?

O espectáculo ao vivo é efémero e sem rede. Porque quando tu estás na televisão ou na rádio estás quase sempre apenas a gravar - mesmo certos programas de rádio são gravados de antemão, nem que seja cinco minutos antes. Num espectáculo ao vivo tens a histeria de massa por estares a ouvir ao mesmo tempo que as outras pessoas à tua volta. É como ver um filme em casa ou no cinema: há aquela comunhão, a histeria partilhada. É outra emoção, é uma partilha que pode até passar pela sala estar quente ou estar fria. E o que aconteceu naquela noite aconteceu apenas naquela noite - há momentos que nunca se vão repetir. E isso é ainda mais efémero nos espectáculos de rua - é algo que não só acontece naquele momento, como acontece num espaço que não é para espectáculos.

E quem estava a passar por ali nem estava a pensar encontrar um espectáculo

Pois, quando deu por ela levou com espectáculo em cima. Parou, olhou, e se calhar até foi para casa mais leve. E a outra vantagem da actuação ao vivo é que te permite fazer experiências. Experimentas conceitos que até poderão ser repetidos se correrem bem, mas se não correrem bem são um "one-off". É um pouco a ideia do "Este não tem tanta piada", é algo que só poderia acontecer num festival de comédia.

Mas para além desse "worst of" também vais levar ao Famous Humor Fest o espectáculo de rua "O Palhaço Escultor"

Quem olha para a tua carreira percebe que se calhar preferes a rua aos palcos Fazem-me muitas vezes essa pergunta, mas acho que o que é mais querido para mim é apenas que o espectáculo seja ao vivo. Agora, o que acontece muitas vezes é que se faço muitos espectáculos seguidos de "clowning", apetece-me fazer "stand-up" - e vice-versa. Eu adoro fazer ambos, mas o "clowning" permite-me andar pelo mundo. Porque se fazes "stand-up" em português de Portugal, tens um mercado que se limita a 11 milhões de pessoas. Não há cá emigrantes nem sequer do Brasil - eles não percebem, ficam sempre "oi? oi?" (risos). Não dá, porque nós temos 30 ou 40 anos de telenovelas brasileiras, percebemo-los mas eles não nos percebem a nós.

E o "clowning" usa uma linguagem universal

Sem dúvida, são espectáculos que eu posso levar a qualquer parte do mundo. Já fui actuar a 23 países. Este espectáculo, "O Palhaço Escultor", é capaz de ser o espectáculo português mais viajado e premiado de sempre. Se calhar não é, mas eu digo que é (risos) Mas há mais coisas que me agradam. No espectáculo de rua sentes a pressão para agarrar a atenção das pessoas, porque elas podem ir-se embora a qualquer momento - muito mais quando estás a actuar num festival de "clowning" e há muitas outras opções a decorrer ao mesmo tempo. E para além disso, no "stand-up" estás a apelar a uma certa demografia: maiores de 16, urbanos, com uma certa estética no humor. Mas o espectáculo de rua é para todo o tipo de gente, de qualquer idade e "background".

Referiste a questão do mercado para "stand-up" em português se limitar a 11 milhões. Mas não consideras que mesmo dentro desses 11 milhões há pouca apetência ou vontade para consumir "stand-up"?

Eu acho que o único problema que encontro no público é a inércia. Gastam para cima de cem euros para ir ao Rock in Rio ou ao Cirque du Soleil, mas ir ver um espectáculo de 10 euros já é caro. Compra-se com facilidade dois whiskeys numa discoteca mas não se gasta isso em entretenimento. Mas é um pouco, também, uma questão cultural. Quando digo que sou comediante um português perguntam-me sempre se dá para viver disso, enquanto que um estrangeiro me vai perguntar que espectáculo estou a fazer. Não há curiosidade pelo trabalho, porque as pessoas não estão habituadas a ver espectáculos. Mas também há uma coisa específica nossa: tratamos a cultura como clubes. As pessoas tratam as bandas e os comediantes como clubes. "Ah, eu sou pelos Xutos" ou "Ah, eu sou pelos Gato Fedorento" - e tudo o que não for o "clube" deles é porcaria. Isto não se percebe.

Tu claramente estás a fazer aquilo que é a tua paixão. Mas alguma vez pensas no engenheiro químico que não aconteceu?

Penso sim. E ainda bem que não aconteceu (risos). Mas eu trabalho em três vertentes. As duas que as pessoas conhecem são o "stand-up" e o "clowning". Mas eu também sou "speaker" em empresas e universidades. Se tu vires bem, são três formas de "performance" ao vivo. Estou a fazer precisamente o que gosto, que é contacto ao vivo com o público. E quando estou a dar uma palestra menciono bastante isto: eu acho que isso de seguir um sonho é uma tanga. Muitas vezes as pessoas têm uma noção idealizada do que é ter certo emprego mas não conhecem a realidade. Por exemplo, tu és jornalista, e alguém um dia vê um filme romantizado sobre jornalismo e acha que o trabalho é aquilo. Mas depois não sabem que a realidade passa muito por estar sentado na redacção a fazer "copy/paste" de "press releases".

E mesmo antes de conseguir chegar à desilusão com um emprego é preciso arranjá-lo.

Exactamente. Uma coisa que eu lhes digo sempre é para escolherem algo que gostem de fazer. Porque se é para ser desempregado, ao menos que se seja desempregado numa coisa que lhes dá prazer (risos). Ainda por cima porque nos tempos que correm não é possível ser mediano - alguém que é apenas medíocre no que faz está condenado ao desemprego. É natural que estejas mais disposto a esforçar-te num trabalho que te dê prazer. Tens de gostar do processo. Eu vejo muitos miúdos que querem ser comediantes, mas não gostam da parte do trabalho, só gostam da parte da fama.

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