Passaram 10 anos desde que terminou o Serviço Militar Obrigatório (SMO) em Portugal. Todos os jovens que hoje ingressam em qualquer um dos ramos das Forças Armadas fazem-no, teoricamente, de livre e espontânea vontade, porque já não há nada nem ninguém que os possa obrigar. Mas será que é mesmo assim?
Eu fui militar do Exército Português. Portanto, é essa a realidade que conheço, apesar de esta mudança ter afectado os três ramos das Forças Armadas, é apenas do Exército que vou falar. O fim do SMO fez com que os grandes números que existiam nas fileiras do Exército fossem reduzidos significativamente, dando lugar a uma geração de militares profissionalizados, especialistas na sua área. A própria instituição evoluiu com o tempo, tornou-se tecnologicamente mais avançada e capaz de responder a desafios internacionais cada vez mais exigentes. Não é por acaso que as nossas forças destacadas em teatros de operações são tão respeitadas pelos restantes exércitos.
Mas, voltando aos jovens, nos últimos anos e principalmente por causa da crise, temos assistido a uma situação que contraria a ideia de que “só vai para a tropa quem gosta”. A verdade é que muitos jovens por causa do desemprego e das dificuldades financeiras são obrigados a ir procurar a estabilidade que a tropa lhes pode oferecer, mesmo não sendo essa a sua vontade. Ora, não se formam bons militares contrariados.
Cursos inúteis?
Quem nos governa tem de saber que isto acontece, mas se calhar até dá jeito para mascarar os números do desemprego jovem, tal e qual como fazem com os estágios. Mas a verdade continua a ser a verdade e nem todos entram para lá porque querem. Os que gostam verdadeiramente da vida militar, eventualmente, ingressam na Escola de Sargentos do Exército ou na Academia Militar, mas os que não se identificam com esta vida acabam por se deixar acomodar na estabilidade temporária que ela oferece e passam os anos todos de contrato a “marinar”, sem investirem na sua formação e sem pensarem no futuro. Quando termina o contrato começam os problemas, porque, apesar de receberem indeminização e subsídio, não estão preparados para o que vão encontrar cá fora. O curso de Atirador, a especialização em Controlo de Tumultos ou a carta de Condutor de Carros de Combate não servem de nada na vida civil, muito menos quando confrontados com um mercado de trabalho que é cada vez mais exigente.
Os jovens de "antigamente" também eram igualmente irresponsáveis quando eram recrutados, mas a tropa, mesmo assim, tinha o poder de os amadurecer e, mesmo não lhes dando tantas condições como agora, para estudarem e se formarem, tornava-os pessoas capazes de enfrentar as dificuldades da vida. Não sei se foi o fim do SMO que mudou isto ou se foi a instituição que neste campo não evoluiu. Obviamente, esta é uma leitura generalista, pois isto não acontece com todos (embora abarque com uma grande parte). Como Alexandre Dumas diz: “Todas as generalizações são perigosas, incluindo esta”.