Estudos Gerais é um curso para curiosos inquietos
Licenciaram-se este ano os primeiros alunos do novo curso de Estudos Gerais, que junta as faculdades de Ciências, Letras e Belas-Artes da Universidade de Lisboa, segundo o verdadeiro espírito de Bolonha e do saber enciclopédico da universidade criada no século XIII.
Sílvia Sofia Almeida, 30 anos, frequentou o secundário na área de Ciências e gostava especialmente de Química, Física e Biologia, mas, chegado o momento de optar por um curso superior no 12.º ano, “não fazia a mínima ideia” do que queria estudar: “Procurei na área de Ciências e não havia nada que me interessasse. Havendo apenas a possibilidade de fazer um curso superior, eu queria tudo ao mesmo tempo, queria explorar várias áreas de interesse e não apenas uma, porque pensava que ia ficar muito restrita e muito formatada.”
Entrou em Relações Internacionais, mas o curso “não correspondeu às expectativas”. Quando anos depois decidiu voltar à universidade, Sílvia encontrou Estudos Gerais por acaso: “Ouvi falar do curso na melhor altura e achei a ideia brilhante: era mesmo aquilo que eu queria e tive pena de não ter aparecido logo quando terminei o secundário, porque nessa altura não teria tido dúvidas. Fiquei tão fascinada por finalmente me terem compreendido.”
Sílvia está no terceiro ano de Estudos Gerais e, se tudo correr bem, licenciar-se-á no próximo Verão com um minor em Biologia e um major em Comunicação e Cultura, curso que lhe permitiu frequentar três faculdades — Letras, Ciências e Belas-Artes — e, nos 180 créditos que uma licenciatura requer, poder fazer as combinações únicas que desejasse. “Estudos Gerais dá-me uma plasticidade muito maior; posso explorar várias áreas em simultâneo, escolher as temáticas que me interessam mais, no fundo, construir o meu próprio currículo. Foi isso que me mais me fascinou”, diz.
Inaugurada em 2011 na Universidade de Lisboa, segundo o espírito original da fundação da própria Universidade no século XIII, Estudos Gerais é uma licenciatura única em Portugal. António Feijó, vice-reitor da UL, Miguel Tamen, professor de Teoria Literária da Faculdade de Letras, e o matemático José Manuel Pinto Paixão, da Faculdade de Ciências, foram os grandes mentores deste projecto que nasceu de uma inquietação sobre a própria natureza da universidade e do ensino superior: quando um aluno conclui o secundário, segue normalmente para uma licenciatura monodisciplinar. Se quer estudar Geologia, por exemplo, não poderá estudar mais nada. Uma universidade construída deste modo “não é uma universidade”, defende António Feijó: “De um ponto de vista estrito, não há propriamente universidade em Portugal. Ou seja, há excelente ensino universitário, há especialidades que são leccionadas e que treinam pessoas de modo excepcional, no domínio das engenharias, da medicina, da história; há vários domínios em que o treino é muito forte e muito bem feito. Mas esse treino é um treino vocacional. As pessoas fazem uma licenciatura monodisciplinar porque o desfecho dessa licenciatura — é sempre instrumental, aquilo serve para alguma coisa — é vocacional, é para eu exercer uma profissão.”
Cultivar todos os saberes
Estudos Gerais não ensina profissões: é um curso que “cultiva todos os saberes e os alunos podem ter acesso a todos eles”, explica Feijó. “O curso não foi inventado”, completa Miguel Tamen: “Aquilo a que chamamos Estudos Gerais é o que acontece em todas as melhores universidades do mundo. O facto de não acontecer na maior parte das universidades europeias só quer dizer que elas não são as melhores do mundo.”
A licenciatura segue um modelo parecido a Liberal Arts nos Estados Unidos (Feijó e Tamen estudaram e leccionaram nos EUA), em que um aluno pode frequentar várias faculdades e fazer majors e minors em áreas diferentes. Feijó explica que, há cerca de 20 anos, o major estatisticamente mais significativo nos EUA era Literatura Inglesa: “E estas pessoas para onde iam? Para a Goldman Sachs, para uma escola primária no Novo México, para o MIT, para administração municipal em Chicago, para pastor protestante ou para o corpo diplomático na Nicarágua. Presumia-se que estas pessoas teriam uma formação cultural ampla e que sabiam escrever, pensar, e perceber um argumento.”
Os nomes de “famosos” bem sucedidos no mundo da política, finança e comunicação, nos EUA — CEO de empresas como a American Express, Xerox, IBM, secretários do Tesouro ou da Defesa, juízes do Supremo Tribunal ou Governadores — que não estudaram necessariamente Engenharia, Economia ou Matemática, impressionam. O candidato à presidência dos EUA pelo Partido Republicano, Mitt Romney, por exemplo, fez Literatura Inglesa; George Soros tem um major em Filosofia; o vencedor do Prémio Nobel da Medicina em 1989, director do National Cancer Institute, Harold Varmus, tem uma licenciatura em Inglês; Ted Turner, fundador da CNN, estudou Literatura Clássica; o antigo secretário da Defesa de George W. Bush, Robert Gates, fez História e a antiga CEO da Hewlett Packard, Carly Fiorina, estudou História Medieval e Filosofia.
Em Estudos Gerais na UL, não foi tanto o modelo americano que se seguiu, mas sim “uma ideia civilizacional, cultural”, isto é, “dizer que as pessoas estão na universidade não para arranjar emprego mas para serem educadas, para terem uma educação formal, no sentido do conhecimento, do saber, estruturado e organizado, de alta exigência e que as equipa, lhes dá a capacidade de serem autónomas, conhecedoras e poderem habitar uma democracia de uma forma mais séria”, explica António Feijó.
A licenciatura começou com 30 vagas, mas este ano já abriram 60. A directora do curso, Fátima Reis, da Faculdade de Letras, diz que o aluno de Estudos Gerais é normalmente um “bom aluno” e “muito versátil”. São “alunos inquietos, inteligentes”, completa Feijó. Uns vêm da área das Ciências, outros das Humanidades — Matemática, Português ou Filosofia são os exames nacionais de acesso ao curso.
Lidar com o erro
Ariana Fonseca, 21 anos, acabou de se licenciar em Estudos Gerais. Diz ter sido “uma espécie de cobaia” porque chegou no primeiro ano em que o curso foi criado. Vinha das Ciências e entrou com Matemática: “Gostava de Letras, mas tinha receio de fazer um curso só de Letras porque havia também coisas de que gostava nas Ciências.” Estudos Gerais acabou por lhe encher as medidas porque “escolher o meu próprio percurso foi o que mais me realizou”. Caloira, chegada da Guarda, conhecia mal Lisboa: “Andava a explorar todas as áreas no primeiro ano, a fazer um bocadinho de tudo. Dividia-me entre a Faculdade de Letras e Ciências e às terça-feiras à tarde ia ao Chiado às Belas-Artes. Foi assim que fui descobrindo a cidade”, conta.
Viu-se “grega” em disciplinas de Física porque nunca tinha usado “uma calculadora gráfica”. Em pintura, não distinguia o pastel seco do húmido. Quando um professor de Desenho lhe perguntou porque utilizava apenas o canto superior esquerdo da página, Ariana explicou que “pensava que era para poupar papel, não sabia que deveria ocupar a folha toda”. Hoje conta divertida estes pequenos fait-divers que testemunham o encontro de uma aluna que era barra a Matemática com a estranheza dos artistas em Belas-Artes, “que se vestiam de maneira diferente e que se sentavam no chão, nas aulas”, ou dos crânios de Ciências “que enchiam grandes anfiteatros”. Em algumas cadeiras, reconhece, “tive de trabalhar um pouco mais do que os outros, porque havia referências anteriores que eu não tinha”. Gostava mesmo de Astrofísica, mas apaixonou-se pela História: “No secundário, não tinha contacto nenhum com História e tive algumas dificuldades quando comecei a estudar no curso. Mas há toda uma realidade da ciência anterior ao humano, um universo que existe antes do homem.” Percebeu que a sua paixão pela Astrofísica, “já era um interesse em História, já estava a ligar as rochas, os ciclos da terra e da natureza à história do homem”. Licenciou-se em Estudos Gerais com um major em História, um minor em Ciências da Cultura e outro minor em Ciências do Património.
Ariana admite que o seu treino em Ciências, sobretudo em Matemática, lhe deu um “método de trabalho” útil e que o aplicou na Faculdade de Letras: “Estudar Matemática significa trabalhar muito, fazer exercícios todos os dias. Em Matemática é fácil tirar um 17, em Letras não. As pessoas nas Humanidades não estão habituadas a trabalhar tanto, tão intensamente, acham que serve apenas ler umas coisas no dia anterior, e não é bem assim”, explica. Sílvia Sofia Almeida concorda que, para os que vêm de Ciências, há “uma maneira de estudar de forma sistemática de procurar padrões”, mas que no estudo das Humanidades, como de qualquer outra área do saber, “é importante conhecermos, moldarmos e exercitarmos diversas maneiras de pensar, de perceber o mundo; isso dá-nos uma elasticidade muito grande e faz-nos compreender melhor também as pessoas que são de outras áreas”.
A transversalidade do saber é uma das mais-valias do curso, que a maior parte dos alunos destaca. Pedro Feijó (sem relação com António Feijó) frequentou dois anos da licenciatura em Física, antes de mudar para Estudos Gerais. “Queria ir para Física desde o primeiro momento, no 7.º ano. Tenho um bocadinho de vergonha de admitir, mas durante todo o secundário acho que continuei em Física porque tinha um fascínio pelo Einstein, o desejo escondido de querer ser um Einstein, e o curso de Física, achava eu, ia permitir-me isso.” Não só não permitiu, como “ao entrar em contacto com outras leituras e formas de pensar”, Pedro, que tem agora 22 anos, foi repensando o seu percurso universitário: “Comecei a ter muitas dúvidas de que haveria algum espaço para um espírito criativo sair dali [da Faculdade de Ciências].”
Talvez o treino em Física lhe tenha dado algumas vantagens em Estudos Gerais de que, por vezes, nem se apercebia, “mas que estão lá: em termos de estrutura e de organização lógicas, há um treino que vem do secundário inteiro e da Matemática, que são capacidades importantes para ter outras perspectivas sobre as disciplinas”, diz. Mas Pedro cedo percebeu que a Física que queria estudar “não era aquela que aprendia na maioria das cadeiras: o formato disciplinar e o formato pedagógico eram coisas que não me interessavam, porque há uma lógica massiva e muito fordista [do americano Henry Ford, associado com a produção em série] de educação”. Isto é, em termos metodológicos, as disciplinas “estão pensadas como corpos fechados” e a única maneira “de contribuir para a disciplina é pormenorizar, detalhar aquilo que já existe, mas nunca numa transformação profunda”. É como se se aprendesse o “processo mecânico da equação e não a compreensão desse processo”: como quando aprendemos a multiplicar e, em vez do processo de multiplicação, decoramos a tabuada.
Ao contrário das Humanidades; na Física, há respostas certas e respostas erradas. “O erro não é incentivado. O erro é punido e é um dos processos pelo quais se mata a criatividade, porque quem não pode errar não pode experimentar”, diz Pedro Feijó. Sílvia Sofia Almeida concorda: “A sociedade condena o erro em demasia; ao ser exercida imensa pressão para não errarmos, por exemplo na escolha de um curso superior, pode ser precisamente o que leva as pessoas a tomar as decisões menos acertadas.” Sílvia diz que há um “eu” antes e depois de Estudos Gerais, porque o curso lhe permitiu “ser vária coisas” e não ter de “ser definida com um rótulo”— advogada, dentista ou bióloga.
A empregabilidade de um curso
Para os mentores do projecto de Estudos Gerais, pensar-se no ensino superior como especializado e vocacional é uma ideia “que viola o conceito de universidade logo à partida”, diz António Feijó. “Primeiro, na estreiteza e na mutilação curricular em que consiste uma licenciatura numa única especialização, excluindo todas as outras. Segundo: porque é estritamente instrumental e vocacional.” Para Feijó, discutir o factor utilitário da universidade, “a empregabilidade de um curso”, o objectivo final da “obtenção de um canudo”, por exemplo, esvazia de sentido “a sua função formativa e educativa”.
Miguel Tamen concorda: “Não temos nenhuma hostilidade às pessoas terem profissões. Mas achamos que é completamente contraproducente, além de gerador de muita miséria psicológica, as pessoas serem forçadas a escolher um curso por causa de uma profissão que, na esmagadora maioria dos casos, não sabem se querem exercer, porque escolhem muito cedo e porque este horror começa a ser preparado desde o 9.º ano. E todos gostam da ideia: o sistema da educação gosta da ideia porque lhe sai mais barato no ensino secundário; os pais gostam da ideia porque os filhos ficam encarreirados; os filhos gostam da ideia porque se sentem lisonjeados por fingirem que gostam de uma coisa; os sindicatos gostam da ideia porque o exercício das competências é uma antecâmara de actividades profissionais diversificadas — é a conspiração perfeita.”
José Manuel Pinto Paixão corrobora esta ideia explicando que Estudos Gerais é “um dos melhores exemplos do que deve ser uma formação de 1.º ciclo universitário: não deve permitir a leitura fácil de que o 1.º ciclo universitário garanta um canudo que pode ser utilizado do outro lado da rua; admito que isso possa ser possível para um 1.º ciclo Politécnico, mas isso são cursos especializados”. O curso questiona, precisamente, “a noção utilitária do ensino universitário”, combatendo “a especialização prematura que é promovida por um sistema que obriga quase a fazer uma escolha de vida que hoje não faz sentido”, diz Paixão, que critica a profunda “verticalização e a formatação do ensino, em que há submissão à própria escola de saberes”.
Não se pense que Estudos Gerais é um curso para indecisos, diz Fátima Reis. “Mas é um curso que me permite ser indeciso”, explica José Bernardo Fonseca, 19 anos, 2.º ano de Estudos Gerais. No final do secundário, estava indeciso e não sabia o que estudar. Descobriu o curso através de uma amiga que lhe disse, “meio a gozar: Zé, se calhar devias era ir para Estudos Gerais”. “O que é isso?”, perguntou. “É uma coisa para estoirar miolos.” Mas José Bernardo foi ver o que era e “ficou apaixonado”: “É a primeira vez que posso dizer que creio que há qualquer coisa que está a ser feita pela Educação e o meu curso é o exemplo prático disso, porque é feito para se aprender, para obter conhecimento. Há pessoas que me dizem que isso é uma ideia muito romântica e me perguntam para que serve, realmente, o curso: serve para nós sermos bons naquilo que fazemos.”
Se o curso estimula o erro, José Bernardo erra duplamente: não só defende o erro como processo de aprendizagem, como não pretende fazer um minor ou um major específicos, senão errar por várias disciplinas e completar os 180 créditos de forma livre. Isso pode significar estudar filosofia, ciências ou matemática. Para José Bernardo, há três tipos de alunos em Estudos Gerais: “O aluno que não sabia o que fazer e foi para Estudos Gerais e está a usar a licenciatura como uma espécie de gap year para descobrir o que quer fazer — parece-me uma coisa inteligente; depois há os alunos que fazem essencialmente Ciências ou Letras mas que não fazem muita questão em aprender. E depois há os alunos, e gosto de pensar que faço parte desse lote, que foram francamente para aprender.” José Bernardo, que também fez o secundário em Ciências, diz que no fundo tem sede de conhecimento: quer tanto estudar teatro ou rádio, como também gosta de política e de televisão, quer poder ajudar os outros e gosta de ciências humanas. É um apaixonado por Física, mas continua a errar: “Quem está em Estudos Gerais porque quer não tem apenas um sonho, tem muitos sonhos.”
Estudos Gerais permitiu a Pedro Feijó, por exemplo, não ter de mudar de curso: licenciou-se com um minor em Física e outro em História e Filosofia das Ciências, e acabou por fazer vários créditos, errando. “O curso permitiu-me ter a relação com a universidade que eu queria, poder gerir de forma mais autónoma o esforço que eu queria pôr ou não em determinadas disciplinas, deu-me flexibilidade, abertura disciplinar.” Por exemplo, este ano esteve a estudar Latim, Francês, Italiano, Estudos de Género, Geometria Diferencial, Ciência e Arte e História da Ciência: “A sensação de sair de uma aula de Geometria Diferencial para ir para uma aula de análise de poemas de Shakespeare e depois para Latim é óptima, muito mais refrescante do que ter quatro horas de Mecânica, Electromagnético, Física Experimental e Programação tudo de seguida”, diz o aluno.
Grandes questões nas Humanidades e nas Ciências
Exceptuando um “tronco comum” de 60 créditos que é obrigatório — que combina uma série de “Grandes questões” nas Humanidades e nas Ciências (O Estudo da História, Haverá Limites na Ciência? Ciência ou Ficção? De Einstein a Frankenstein, entre outras) e Instrumentos (Lógica, Argumentação, Cálculo, Desenho, Estatística) — o aluno pode depois combinar o seu curso livremente em majors e minors do seu interesse, cujo percurso individual é escolhido com o apoio de um professor-tutor: “Aluno a aluno, conversa-se, procura-se captar a sua sensibilidade, os seus gostos e as suas preferências, o que espera do curso, expectativas e inclinações, é uma tarefa demorada”, explica Fátima Reis. Para criar a licenciatura em Estudos Gerais, aproveitaram-se todas as disciplinas que já eram leccionadas nas três faculdades, à excepção da nova cadeira, repartida em três semestres, de Textos Fundamentais — Antiguidade e Idade Média; Renascença e Iluminismo; do Romantismo ao Presente. Nesta cadeira, “o aluno percorre textos canónicos de várias áreas do saber, das humanidades às ciências, filosofias, e não conheço ninguém que não goste dos Textos Fundamentais”, diz Reis. Textos Fundamentais são, no fundo, uma série de conferências feitas por especialistas: os alunos lêem cinco ou seis livros durante um semestre, dando-se ao aluno, explica Miguel Tamen, “a ideia de que os livros mais importantes que foram escritos são livros que também não cabem numa única área do saber”. Pedro Feijó relembra alguns autores — Lavoisier, Galileu, Diderot, Pedro Nunes, Darwin, Aristóteles; José Bernardo não esquece a “aula magistral” sobre a Ilíada com o professor José Serra, “foi a melhor aula de toda a minha vida”, ou a de Pedro Tamen, sobre Alice no País das Maravilhas — “soberba”; Ariana Fonseca lembra a Teoria da Relatividade, de Einstein. E a partir do próximo ano lectivo (2015-2016), diz Miguel Tamen, a licenciatura em Estudos Gerais vai passar a incluir oito Escolas da UL: além de Letras, Ciências e Belas-Artes, “vamos poder contar com Direito, Psicologia, Motricidade Humana, Economia, Ciências Políticas”: “Em todas estas cinco novas faculdades, fomos recebidos com o entusiasmo com que fomos recebidos nas primeiras três e temos esperanças de que não fique por aqui.”
Tanto Tamen, como Paixão, como António Feijó admitem que, se voltassem hoje à universidade como alunos, gostariam de frequentar Estudos Gerais. Miguel Tamen, que se formou em Letras e depois se doutorou nos Estado Unidos, diz que a sua experiência de licenciatura “foi traumática”: “Começou a ser traumática no ensino secundário; lembro-me perfeitamente de que o primeiro sinal desse trauma, no meu caso, foi quando me disseram que não era possível ter ao mesmo tempo Grego e Física. Eu queria, mas não podia. Quando cheguei à faculdade — nessa altura as licenciaturas eram muito mais especializadas do que hoje —, tive a sensação de que, durante os anos em que estive aqui, com raríssimas, e muito honrosas, excepções, era sempre mais do mesmo: e o mesmo era horrível, realmente horrível. A possibilidade de combinar interesses idiossincráticos com conhecimentos de áreas mais vastas estava completamente excluída. As coisas tinham de ser feitas numa determinada ordem e fazia-se propaganda de uma ideia de que fazer as coisas por essa ordem era a única maneira de aprender.”
Havia uma formatação completa do aluno, sobretudo nas Humanidades, em que se garantia (à época) que qualquer licenciado seria possivelmente professor do ensino secundário. Hoje isso mudou, ainda que a obsessão com o emprego, o empreendedorismo, a função utilitária de um curso superior domine a linguagem dos especialistas em emprego. Criar este curso não foi propriamente fácil, houve resistências mas também entusiasmo. Miguel Tamen diz que não foi preciso “vender” o curso a ninguém: “Uma universidade que precisa de pedir desculpa por ensinar os seus alunos a pensar é uma universidade que devia ser fechada. Acho que não é preciso justificar: a espécie de animal que nós somos é uma espécie que pensa. A justificação está do lado das pessoas que acham que a universidade serve essencialmente para formar profissionais. Digo essencialmente porque há um lugar para a dimensão vocacional nas universidades, mas essa dimensão tem necessariamente de se seguir a uma dimensão geral, não pode precedê-la. Claro que isto demora mais tempo e custa mais dinheiro.”
Os alunos de Estudos Gerais ainda são “vistos como as aves raras ou os traidores à classe, mas não somos especiais: as pessoas ainda nos vêem como os esquisitos”, explica José Bernardo. “Não prescrevo que toda a gente vá para Estudos Gerais. No meu caso, funcionou bastante bem, e acho que este sistema deveria ser implementado muito mais cedo, a partir do secundário”, diz Sílvia. “Não condeno pessoas que sabem desde pequenas que querem ser médicas ou advogadas, mas também acho que isso vem muito da pressão social e do que é muitas vezes esperado de nós, das expectativas da família e da sociedade.”
Para António Feijó, a universidade não pode ser vista como “uma agência de emprego”. José Manuel Pinto Paixão relembra que a missão da universidade “é a de educar os cidadãos: deve conferir não apenas os conhecimentos, mas, do meu ponto de vista, as competências e também as atitudes adequadas aos tempos em que vivemos”. A essência do ensino superior deve ser o estudante, partindo-se de um princípio: “Quem é capaz de perceber coisas diferentes, biologia, matemática, história, filosofia, artes plásticas, é seguramente muito mais capacitado para fazer coisas diferentes, está muito mais apto para encontrar uma actividade profissional que melhor se coadune com o seu talento, tanto que o mercado de trabalho requer elevada competitividade e está em constante mutação.”
Para que serve este curso?
Muitos pais e encarregados de educação ainda fazem a pergunta de sempre: “Para que serve este curso?” “Serve para as pessoas aprenderem coisas, algo que as pessoas se esqueceram que foi assim que a universidade nasceu e é isso que as universidades são: sítios onde se aprendem coisas, onde se pode experimentar conhecer coisas que nunca se tinha pensado conhecer”, diz Miguel Tamen.
Quanto ao futuro, os alunos respondem: Ariana quer trabalhar em turismo cultural e património, e seguirá para um mestrado na Escola de Hotelaria do Estoril. Pedro Feijó vai estudar História e Filosofia das Ciências, em Inglaterra. Sílvia, que já se candidatou a alguns empregos, diz que o curso ainda é muito desconhecido por directores de recursos humanos, mas, “a partir do momento em que o começarem a conhecer, vão perceber que Estudos Gerais nos dá muita flexibilidade, adaptabilidade, conhecimento em diversas áreas e alguma polivalência que me parece muito importante hoje em dia”. Para José Bernardo, ainda é cedo, mas, diz, gostaria talvez de tirar um Mestrado em Ciências da Comunicação ou Ciências Políticas. A partir daí, não sabe — e não saber não é um problema. “Só sei que vou fazer qualquer coisa e isso não me preocupa. Ou faço o que quero, ou não serei feliz. Eu tenho um sonho que é ser alguém. Se eu for alguém quando tiver 40 anos, será bom. Sabemos que queremos aprender, queremos sair daqui mais bem formados, mais inteligentes e capazes, para conseguirmos ser dinâmicos num mercado de trabalho que é, ele mesmo, dinâmico. Isso não faz de nós especiais nem diferentes dos que frequentam outros cursos. Estudos Gerais é excelente para pessoas como eu, que querem ser tudo: os artistas sem ofício, o homem Renascentista. Sonhamos ser qualquer coisa, é o único esforço que fazemos.”