Festival de Veneza premeia o sueco Roy Andersson com Leão de Ouro
O russo Andrei Konschalovsky foi distinguido com Leão de Prata para Melhor Realizador.
Não estava entre os favoritos para o Leão de Ouro, mas foi o escolhido pelo júri da 71ª edição do Festival de Cinema de Veneza: A Pigeon sat on a Branch Reflecting on Existence, do sueco Roy Andersson, filme que encerra uma triologia sobre o que é isso de “ser um ser humano”, é o grande vencedor do palmarés anunciado hoje ao início da noite.
O russo Andrei Konchalovsky, cujo filme The Postman’s White Nights foi uma excelente surpresa que surgiu já no último dia do festival e que logo foi colocado entre os favoritos, recebeu o Leão de Prata para Melhor Realizador.
Outro apontado como favorito, The Look of Silence, obra em que o norte-americano Joshua Oppenheimer regressa ao tema do genocídio dos anos 60 na Indonésia, que já tinha tratado em The Act of Killing, foi distinguido com o Grande Prémio do Júri.
Curiosamente, os prémios para Melhor Actor e Melhor Actriz foram para dois protagonistas do mesmo filme, Adam Driver e Alba Rohrwacher, em Hungry Hearts, do italiano Saverio Costanzo. O jovem actor Romain Paul recebeu o Prémio Marcelo Mastroianni pelo seu papel em Le Dernière Coup de Marteau, obra do francês Alix Delaporte.
O Prémio Especial do Júri foi atribuído a Sivas, do turco Kaan Mudjeci, primeira ficção deste realizador, que aqui filma numa aldeia da Anatólia a história de um miúdo que se inicia num grupo de homens. Não conseguindo ser a personagem que queria numa encenação da escola de Branca de Neve, o rapaz reclama o seu papel numa história de violência. E o Melhor Argumento foi para Tales, em que a iraniana Rakhshan Banietemad cruza as vidas invisíveis de prostitutas, taxistas, desempregados, reformados.
No discurso em que agradeceu o prémio, o vencedor Roy Andersson prestou homenagem ao seu grande herói Vittorio De Sica e ao filme Ladrões de Bicicletas. Em A Pigeon Sat on a Branch Reflecting on Existence, o sueco constrói uma série de sketches, quadros congelados em que as personagens, dois vendedores ambulantes, são uma espécie de clowns imobilizados, num improvável cruzamento de Monty Python com Bergman.
A triologia que se conclui com o filme agora premiado começou com Songs from the Second Floor e You, the Living, e o longo título é uma referência a um quadro de Pieter Bruegel, O Velho, que levou Andersson a imaginar os pássaros a observar as pessoas no mundo lá em baixo, interrogando-se sobre o que elas estão a fazer.
Ao subir ao palco em Veneza para agradecer o seu prémio, Konchalovsky recordou outro prémio recebido no mesmo festival há 52 anos, e confessou que a sensação que teve foi exactamente a mesma: a de uma criança que espera para saber que presente tem à sua espera na árvore de Natal. “Em todos nós há uma criança escondida”, disse o realizador, antigo colaborador de Tarkovsky, que nas últimas décadas parecia ter-se perdido algures entre a Rússia e os Estados Unidos, mas que regressa com uma força inesperada com esta obra em que filma “com total liberdade” a todos os níveis uma aldeia numa remota região da Rússia, e os seus habitantes esquecidos pela História.
Impossibilitado de estar em Veneza por uma tempestade que o impediu de sair dos Estados Unidos, Joshua Oppenheimer agradeceu através de um vídeo o prémio para The Look of Silence, frisando que “nós no Ocidente temos que reconhecer a nossa responsabilidade colectiva” no genocídio que nos anos 60 levou à morte de um milhão de indonésios acusados de serem comunistas, uma tragédia com a qual tenta neste filme confrontar os assassinos, conseguindo apenas que a filha de um deles peça desculpa em nome do pai – uma obra que Tim Roth, um dos membros do júri, considerou ser de “uma dignidade que está para além das palavras”.