Falha no sistema informático da justiça paralisa tribunais por todo o país
Plataforma informática Citius devia ter sido reactivada nesta segunda-feira, depois de cinco dias de indisponibilidade. Ministra da Justiça garantiu que a "indicação técnica" que tinha era a de que ficaria operacional ainda durante a manhã, mas tal não aconteceu.
A plataforma informática Citius, que serve para magistrados, advogados e funcionários acederem aos processos, está indisponível há seis dias. O seu funcionamento foi suspenso na quarta-feira para permitir terminar a migração electrónica de processos exigida pela reforma dos tribunais. O Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça tinha dito que a suspensão duraria "o tempo estritamente necessário a assegurar a conclusão deste processo com a máxima eficácia e segurança”, ficando o acesso ao sistema salvaguardado através do instituto, em casos de necessidade de urgência.
O que estava previsto era que o Citius voltasse ao activo este domingo à meia-noite, a tempo do arranque do novo mapa judiciário. Quando isso não sucedeu, a ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, disse que tudo deveria ficar resolvido esta segunda-feira de manhã. O que também não sucedeu.
Em declarações à TSF, a governante esclareceu que foi detectado um “erro” na distribuição de processos” e que a "indicação técnica" que tinha era a de que o problema deveria estar resolvido até às 10h, algo que não aconteceu. A mensagem que está na página foi, aliás, mudada, tendo sido alterada a previsão de resolução do problema de "durante a manhã de hoje" para "durante o dia de hoje". Ao final da manhã, o que passou a estar escrito na página foi que se deu "início ao processo de arranque do Citius nas 23 comarcas" e que se estima que "nas próximas horas o sistema esteja operacional": "O portal Citius será disponibilizado durante o dia de hoje."
Antes disso, o que se lia era diferente: "Dada a magnitude da intervenção a efectuar no sistema informático Citius, de forma a acomodar a nova lei da organização do sistema judiciário, encontram-se ainda em curso as imprescindíveis acções finais de controlo de qualidade do sistema. Estima-se que o mesmo se encontre disponível para utilização nos tribunais durante a manhã de hoje, com o subsequente acesso ao portal".
Nas declarações que fez ao início da manhã, Paula Teixeira da Cruz admitiu que o erro em causa, embora "pequeno", não dizia respeito apenas a um processo e que se tratou, antes, de um problema na distribuição de processos. De acordo com a ministra, "basta um pequeno erro de distribuição" para ter "de se verificar o sistema todo". Uma vez detectado o erro, era melhor "parar e emendar”. “Não queremos que as coisas abram nem com um erro”, frisou Paula Teixeira da Cruz, explicando que a “reconfirmação do sistema” está a ser feita desde domingo.
Ao PÚBLICO, fonte do Ministério da Justiça explicou que "testes de qualidade indicaram algumas falhas na distribuição dos processos: "Se bem que em número reduzido, não se coadunam com as metas de excelência a que se obriga a conclusão do processo de transferência electrónica".
Através do Citius, juízes, magistrados do Ministério Público, oficiais de justiça, advogados e solicitadores podem, mediante acessos diferenciados, praticar a generalidade dos actos processuais por tramitação electrónica de dados.
Dificuldades
Como os prazos judiciais não foram suspensos, muitos advogados confrontam-se com problemas aparentemente irresolúveis.
“Tenho um prazo a correr que termina hoje e outro que termina amanhã. E não saio daqui sem ver o processo”, dizia esta manhã uma advogada que se deslocou aos contentores que desde hoje albergam parte dos serviços do Tribunal de Loures. A afirmação provocou risos entre os funcionários, que levaram uns segundos até perceberem que Paula Almeida Sousa está mesmo a falar a sério, apesar do amontoado de processos ainda amontoados pelo chão e de o processo de instalação dos serviços nos módulos metálicos estar longe de concluído. “Não temos sistema”, responderam-lhe, antes de se porem à procura do processo, entre resmas de papel atadas com cordelinhos.
Loures é um dos três tribunais do país em que as obras em curso obrigaram à colocação de contentores no exterior do Palácio da Justiça, para albergar secções e até salas de audiências. “A confusão é total: não há telefones, não há sistema informático, não há nada”, descrevia uma funcionária. O escasso público que apareceu de manhã foi mandado embora, por falta de condições de atendimento. “Estamos a dizer às pessoas para voltarem daqui a uns dias. Agora é impraticável”, explicava outro funcionário.
"Estamos de mãos atadas"
No Palácio da Justiça do Porto, enquanto mais de 180 juízes tomavam posse esta segunda-feira com toda a solenidade e com convidados oficiais num imenso salão nobre, 190 funcionários judiciais debatiam-se com a impossibilidade de usarem o sistema informático.
“Estou aqui parada. Não sei o que podemos fazer. Não sei mesmo. Estamos de mãos atadas. Veja bem”, diz ao PÚBLICO uma funcionária sob anonimato. Nas várias unidades de processos, antes chamadas de secções, os funcionários estão de pé sem saber o que fazer. Olham apenas para as inúmeras pilhas de processos. Vão amiúde ao computador perceber se o sistema informático já funciona. Sem sucesso.
Em algumas unidades, os funcionários foram reorganizando os processos. “Não podemos falar. Tentem falar com o administrador judicial. Estamos a ver os processos”. O administrador está na cerimónia. Estão a reorganizar os processos? “Não é bem reorganizar. Estamos a ver de que tratam. Vieram de vários sítios”, diz outro funcionário.
No Palácio da Justiça do Porto – onde estava já o Tribunal da Relação do Porto e o Tribunal de Trabalho – estão agora a secção de execução e a Secção Cível. Trabalham agora 190 funcionários onde antes trabalhavam 40. Inúmeros armários, cadeiras, impressoras e material informático enchem o grande átrio do segundo piso do edifício. Ficou tudo onde foi descarregado.
Os únicos oficiais de justiça que conseguiam aceder ao Citius eram os do Tribunal da Relação do Porto, no mesmo edifício. “Para nós não houve qualquer alteração. Os nossos processos são os mesmos. Por aqui está tudo tranquilo”, explica um.
Já nas Varas Criminais do Porto, agora designadas de Instância Central - 1.ª Secção Criminal, os funcionários judiciais não tinham a mesma sorte. A maioria não conseguia aceder ao sistema. Alguns conseguiram entrar por alguns segundos, mas sem ter oportunidade de realizar qualquer operação no sistema. Os 25 funcionários judiciais, transferidos de Valongo e Gondomar para aquela instância no Porto, tomaram posse na manhã desta segunda-feira, mas foram depois embora. “Sem sistema o que ficavam cá a fazer?”, pergunta uma funcionária.