Medicamento experimental contra o ébola conseguiu travar a infecção em todos os macacos

Alguns dias após a infecção, 18 animais receberam o tratamento ZMapp. Esta sexta-feira soube-se também que o ébola chegou ao Senegal, o quinto país de África Ocidental atingido pelo surto actual.

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O laboratório canadiano onde foram feitas as experiências com o vírus Agência de Saúde Pública do Canadá

O ébola, um dos vírus mais letais, pode matar 90% dos doentes. No surto que atinge actualmente a Guiné-Conacri, Libéria, a Serra Leoa e a Nigéria, a taxa de mortalidade é de cerca de 50%: entre as 3069 pessoas infectadas, o vírus tinha matado 1552 até quinta-feira, segundo a Organização Mundial da Saúde.

Esta sexta-feira soube-se que o ébola também tinha chegado ao Senegal, o quinto país de África Ocidental atingido pela epidemia. O vírus foi levado por um jovem estudante da Guiné-Conacri, que tinha estado em contacto directo com doentes de ébola no seu país natal. Já no Senegal, procurou ajuda num hospital de Dakar, mas escondeu que tinha contactado doentes de ébola, disse a ministra da Saúde senegalesa, Awa Marie Coll Seck.

Além desta epidemia nos cinco países de África Ocidental, também a República Democrática do Congo enfrenta um surto de ébola, que parece ter uma origem independente. Há assim seis países africanos com esta batalha pela frente.

Os sintomas, nos seres humanos, começam entre o segundo e o 21º dia de infecção: se no início se assemelham aos sintomas de uma gripe, como febre e dores de cabeça e musculares, depressa passam vómitos e diarreia com sangue, insuficiência renal e hepática e hemorragias internas e externas. Devido às hemorragias, a pele fica cheia de manchas vermelhas (ou petéquias) e a infecção pode levar à falência de vários órgãos.

Como não estão disponíveis vacinas nem tratamentos específicos para o ébola, os doentes que sobrevivem ao vírus apenas lutaram com o seu sistema imunitário. Estão em investigação 17 tratamentos e 12 vacinas em várias instituições, mas todos estes produtos são muito experimentais.

Agora, a equipa de Gary Kobinger, da Agência de Saúde Pública do Canadá, em Winnipeg, relata na Nature que o ZMapp reverteu a infecção em macacos. Os cientistas injectaram doses letais do ébola em três grupos de macacos, cada um com seis animais. Três outros, também infectados, não receberam tratamento para servirem de controlo da experiência.

Muitos dos macacos já apresentavam sinais da doença antes da administração do ZMapp, que é um cocktail de três anticorpos monoclonais. Produzidos pelo sistema imunitário em resposta a um invasor específico, neste caso o ébola, os anticorpos ligam-se a proteínas do vírus e ajudam assim o sistema imunitário a combatê-lo.

A combinação dos três anticorpos – que tinham sido testados antes noutras combinações, por exemplo em porquinhos-da-índia – só foi encontrada em Janeiro deste ano, segundo informação no site da empresa norte-americana Mapp Biopharmaceutical, que detém o ZMapp. A empresa acrescentava que a eficácia deste tratamento experimental tinha sido demostrada em estudos em macacos conduzidos pela Agência de Saúde Pública do Canadá que tinham sido apresentados para publicação.

Ora são esses estudos que a revista Nature publicou agora online. Aplicaram-se três doses do ZMapp a cada grupo de macacos infectados: no primeiro, o tratamento foi dado ao fim de três, seis e nove dias de infecção; no segundo grupo, de quatro, sete e dez dias de infecção; e no terceiro, de cinco, oito e 11 dias de infecção.

Mesmo os macacos cujo tratamento começou numa fase tardia infecção – ao quinto dia, o que nestes primatas significa geralmente estarem a três dias da morte, explicou Gary Kobinger esta sexta-feira em conferência de imprensa – conseguiram ver-se livres do vírus do ébola. Já os três macacos que não receberam o tratamento estavam todos mortos ao oitavo dia de infecção.

“Demonstrámos que uma combinação de anticorpos monoclonais (ZMapp), optimizados a partir de dois cocktails anteriores de anticorpos, é capaz de salvar 100% dos macacos Rhesus quando o tratamento é iniciado até ao quinto dia de infecção”, escreve a equipa no artigo, que tem a autoria principal de Xiangguo Qiu, também da Agência de Saúde Pública do Canadá. “A doença em estado avançado, assinalada por níveis elevados de enzimas hepáticas, hemorragias das mucosas e petéquias generalizadas, pode ser revertida e a recuperação ser total”, acrescenta o artigo. “A eficácia do ZMapp excede a de qualquer outra terapia descrita até agora e este cocktail merece o desenvolvimento posterior para uso clínico”, concluem os cientistas.

“Feito monumental”
Num comentário ao trabalho na mesma revista, Thomas Geisbert, da Divisão Médica da Universidade do Texas (EUA), é bem claro sobre a sua importância: “O desenvolvimento do ZMapp e o seu sucesso no tratamento de macacos numa fase avançada da infecção por ébola é um feito monumental.”

Mesmo não estando então publicados para toda a comunidade científica, como agora, permitindo a sua crítica, estes resultados serviram de fundamentação ao uso do ZMapp nas sete pessoas. Infectados na Libéria, os dois norte-americanos, que seguiram depois para os EUA, já saíram do hospital – “mas desconhece se o ZMapp teve algum efeito, porque na altura da escrita deste artigo cerca de 45% dos doentes deste surto sobrevivem sem tratamento”, frisa Thomas Geisbert, lembrando que dois dos outros doentes tratados com ZMapp morreram. “Mas isto pode ter sido porque o tratamento começou tarde de mais.”

Ainda que a espécie de vírus do ébola do surto na África Ocidental e a das experiências nos macacos seja a mesma (a espécie do Zaire), as estirpes são diferentes. Sem avançar grandes conclusões, a equipa diz que há indícios de que o ZMapp funciona nas duas estirpes. Porque os dois norte-americanos sobreviveram e porque experiências que também fizeram com essa estirpe, em culturas de células em laboratório, impediram a sua replicação.

Mais extrapolações seria muito especulativo, considera equipa, que defende ensaios em seres humanos nos próximos meses, para começar a testar a segurança dos três anticorpos. “Há sete doentes que tomaram ZMapp. Talvez isso nos permita compreender o efeito do ZMapp nos humanos”, disse Gary Kobinger na conferência. “O problema é que não foi administrado no contexto de um ensaio clínico.”

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