Num estado intermédio, temos as reformas que, não sendo meros remendos, não trazem alterações profundas.
Em 2011, o Governo prometeu que iria resolver a situação de emergência financeira do país, implementar um conjunto de reformas e manter a estabilidade do sistema financeiro nacional. Entretanto, Portugal saiu do PAEF. O Governo foi cumprindo as metas de défice público (que foi conseguindo que fossem revistas), foi implementando umas reformas aqui e ali, e foi fazendo por manter a estabilidade do sistema financeiro. Mas a verdade é que, em 2014, Portugal mantém o modelo de desenvolvimento e as traves-mestras do Estado Social que tinha antes da crise.
Não houve reformas estruturais.
Não houve uma ‘reforma do Estado’. A reforma do Código do Trabalho não mexeu grandemente com o ‘status quo’, e o pouco que mais mexeu foi declarado inconstitucional. O sistema fiscal português não foi simplificado e tornado menos poroso. Não se vê tendência para que a carga fiscal diminua. A área da Justiça teve reformas meritórias, mas que poderiam ter ido mais longe. Longe de querer simplesmente defender a concorrência entre privados, o Governo consolidou o capital de risco público e propõe-se criar uma ‘instituição financeira de desenvolvimento’. O sistema político continua fechado sobre si mesmo.
Por outro lado, temos hoje o mesmo Estado Social que tínhamos antes do PAEF, só que com menos dinheiro. As lógicas de funcionamento do Ensino Público, do Serviço Nacional de Saúde e da Segurança Social mantêm-se iguais. O Governo não criou sequer, por exemplo, um sistema de cheque-ensino, ou um seguro público de saúde, ou um sistema de capitalização. Longe de ter ‘destruído o Estado Social’, o Governo tem simplesmente procurado manter o modelo vigente de Estado Social tendo em conta a (falta de) disponibilidade financeira do Estado português.
Em 2011, coligação PSD/CDS chegou ao Governo a prometer ‘reformas estruturais’. Chegados a 2014, vemos medidas extraordinárias e algumas reformas. As razões são várias, e a culpa não é apenas do Governo. Apesar da crise, muito poucos em Portugal demonstram grande vontade de alterar o ‘status quo’, inclusivamente dentro da Coligação. O problema é que entrincheirar o ‘status quo’ tem custos tremendos, financeiros e não-financeiros, que lançam uma sombra sobre o nosso futuro colectivo e sobre o futuro do próprio regime.
A III República defronta-se com um teste à sua capacidade de se auto-regenerar. Caso não o consiga fazer, tenderá a definhar e/ou implodir. O ‘status quo’ entrou em rota de colisão com a realidade. E por muito que o sonho comande a vida, se continuarmos a dormir ao volante, não teremos bom fim.