Cannabis: “Efeito pode ser semelhante ao álcool pois inibe reflexos e avaliação do perigo”

Cinco perguntas ao psiquiatra Pedro Levy.

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Especialista adverte que mercado desta droga não é imune aos lobbies David McNew/AFP

Como vê a evolução das tendências e atitudes perante o consumo de cannabis tanto em Portugal como no resto do mundo?

O haxixe é cada vez mais considerado uma substância que não é nociva e há mais gente a achar que o seu consumo não faz mal. Há pouco estigma contra o haxixe, o que se pode ver pelos estados norte-americanos que seguiram o caminho da liberalização. O problema é que há cada vez mais pessoas a consumir haxixe em idades jovens e os vícios vão-se criando com mais precocidade, com menos estigma negativo e com uma banalização das consequências. Por outro lado, é preciso dizer que a cannabis que está à venda é cada vez mais potente. Há dez ou 20 anos a cannabis que se vendia tinha uma percentagem de THC, que é a substância que faz mal, de 2% ou 3%. Hoje os produtos já têm 20% ou 30% de THC e no caso do óleo de haxixe chega aos 80%.
 

Quais são os efeitos da cannabis nos consumidores em geral e ao volante em concreto?

Os principais efeitos estão na diminuição da velocidade de resposta motora. Com o consumo, há uma lentificação e descoordenação psicomotora, a velocidade de processamento da informação que é menor, a informação que entra visualmente é processada de forma mais lenta e todo o processo de reacção motora é afectado. No imediato, os efeitos não são tanto os aspectos psíquicos que os psiquiatras tratam mais tarde, o problema está na capacidade de resposta e nos reflexos. O efeito do haxixe pode ser semelhante ao álcool porque inibe os reflexos e a capacidade de avaliar o perigo e medir as distâncias.
 

O rótulo de droga leve, muitas vezes utilizado, contribui para a desvalorização que refere?

Em Inglaterra, há uns anos, o haxixe foi considerado uma droga de gravidade maior e passou a ser integrado nas substâncias mais nocivas e problemáticas o que gerou uma grande polémica dentro da medicina, pois há quem ache que sim e há quem ache que não. Mas a verdade é que assistimos a consumos mais frequentes e mais prolongados, pois com diminuição do estigma alguns consumos que eram episódicos passaram a ser feitos com mais regularidade. Ao ser uma droga utilizada socialmente, com mais facilidade os consumos aumentam. O caminho em Inglaterra foi no sentido contrário ao que se passa no Uruguai ou Estados Unidos. Em termos formais os movimentos não são iguais em todo o mundo, mas do ponto de vista informal percebemos que as pessoas acham cada vez mais que o haxixe não faz mal e isso é um erro porque há uma percentagem, ainda que baixa, de pessoas a quem faz bastante mal.
 

Está a falar da relação que alguns estudos apontam entre o consumo de cannabis e a esquizofrenia mas que não é consensual?

A discussão sobre a esquizofrenia é estéril, redutora e simplista. Do que nós não temos dúvida nenhuma é de que o haxixe, ou seja o THC, facilita o aparecimento de psicose e a esquizofrenia é um grupo restrito dentro das psicoses. Nós não dizemos que as pessoas que consomem haxixe ficam esquizofrénicas, o que dizemos é que o haxixe determina psicoses. Não é preciso ter uma discussão sobre se o haxixe provoca esquizofrenia, o que é importante é que se saiba que pode provocar psicose em pessoas sensíveis e em mesmo em pessoas menos sensíveis, se começarem muito cedo, aos 12 ou 13 anos, a probabilidade é ainda maior porque o cérebro está em formação.
 

Mas tem agora mais doentes nestas circunstâncias, em que o motivo da ida ao médico tem por base a cannabis?

Claro. Numa série de 120 ou 130 doentes no nosso Programa de Intervenção nas Fases Iniciais da Psicose, cerca de 60% são consumidores de haxixe e quase todos eles são jovens com menos de 30 anos. Mas qual é a gravidade desta doença? Isso só podemos saber depois de vermos a evolução. Não é raro voltarem a consumir e voltam a ficar doentes. A evolução é um bocadinho como nos cancros. Se for tratada precocemente pode evoluir bem, mas se for tratada tardiamente ou se for muito grave em si mesma evolui mal. O mais importante é não haver consumos e tratar convenientemente.

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