Morreu Pires Veloso, o “vice-rei do Norte”
Como comandante da Região Militar do Norte, foi um dos protagonistas do 25 de Novembro de 1975, que pôs fim ao Verão Quente e ao PREC. Morreu este domingo, aos 88 anos, no Porto.
O funeral vai realizar-se na terça-feira, partindo da igreja da Lapa, Porto, onde está a ser velado em câmara ardente, para Mesquitela, Celorico da Beira.
António Elísio Capelo Pires Veloso, nascido em Gouveia a 10 de Agosto de 1926, foi um dos protagonistas do 25 de Novembro, que pôs fim ao Verão Quente de 1975. Nesse dia, em que o país esteve a um passo da guerra civil, o então comandante da Região Militar do Norte mobilizou as suas tropas no apoio aos “moderados”, disponibilizando-se mesmo para acolher no Porto um governo provisório.
A data culminava o Verão Quente, iniciado com a tentativa falhada do golpe de estado de 11 de Março e que foi marcado por confrontos, destruição de sedes partidárias e manifestações civis e militares que criavam uma sensação generalizada de anarquia.
“Por todo o país, os acontecimentos mais estranhos tinham lugar diariamente. Militantes fardados desfilavam nas manifestações dos Soldados Unidos Vencerão (SUV), as forças policiais e militarizadas viviam no limite da inoperância, os professores universitários e empresários fugiam para o estrangeiro, sucediam-se as ocupações de casas, montavam-se barricadas nas estradas”, lembrava o general Pires Veloso à agência Lusa em Novembro de 2012.
A 25 de Novembro de 1975, dia em que, recordava, “talvez milhares de comunistas aguardavam armas que lhes haviam de ser entregues para começarem uma guerra que tinham a certeza que ganhariam”, Álvaro Cunhal mandou-os desmobilizar, “talvez porque o general Costa Gomes [Presidente da república] o advertiu que se tratava de uma guerra perdida, porque no Norte havia uma força disciplinada”, sob as ordens do próprio Pires Veloso, que se oporia a qualquer investida.
"Eanes não fez nada"
Numa entrevista ao PÚBLICO em Novembro de 2008, o general salientava o seu papel e dos Comandos de Jaime Neves, e desvalorizava o do general Ramalho Eanes, reafirmando a tese do livro que escrevera nesse ano, “Vice-Rei do Norte - Memórias e Revelações”. “Não é para atacar o Eanes, é para contar a verdade sobre o 25 de Novembro. Porque está na altura. Odeio a mentira”, justificou ao PÚBLICO.
“É preciso explicar a importância do 25 de Novembro, se não tivesse existido, o 25 de Abril teria desaparecido, (…) E não se pode ensinar às crianças na História de Portugal, que o Eanes foi um herói. Pois se ele não fez nada!”, afirmava então.
Em 2012, numa entrevista à Lusa, Pires Veloso considerava haver um paralelismo entre o presente e o Verão Quente: “Tal como naquele período, a situação actual é de anarquia, aparentemente menos violenta mas mais insidiosa”. Caracterizou o presente como “uma pseudo-democracia, onde as leis se eliminam ou fabricam consoante os interesses de A, B ou C”.
“A partir de 2008, na voragem do descontrolo dos mercados que varreu toda a primeira década do século XXI, a sociedade portuguesa deixou-se aprisionar pelo laxismo económico e social, com a crise internacional”, afirmava então. Para concluir: “Eis que Portugal se vê, de novo, com uma terrível ameaça à estabilidade enquanto nação soberana. Ontem, o inimigo era a ideologia comunista. Hoje passou a ser a ganância dos mercados não regulamentados, que afoga vários países em austeridade e desemprego”.
Para mudar a situação, preconizava algo como um novo 25 de Abril, mas não feito pelos militares, que dizia “não se quererem meter nisso”, mas pelo povo. "Para mim, o povo é que tem a força toda. Agora é uma questão de congregação, de coordenação, e pode ser que alguém surja" a liderar o processo.
De defensor da metrópole a alto-comissário para a descolonização
Depois de frequentar a Escola do Exército, onde conclui o curso de Infantaria, o então alferes Pires Veloso segue, em 1949, para Macau, onde permaneceu até 1951. Em 1961, com o eclodir da Guerra do Ultramar, prestou serviço em Angola, até 1964, e em Moçambique, de 1965 até 1974.
Após o 25 de Abril, foi nomeado governador de São Tomé e Príncipe e depois alto-comissário para a descolonização daquele território, cargo que ocupou até à independência, a 12 de Julho de 1975. Nesse ano, em Setembro, foi nomeado comandante da Região Militar do Norte, onde permaneceu até 1977. Depois do 25 de Novembro, foi nomeado membro do Conselho da Revolução.
Em 1980 candidatou-se a Presidente da República como independente, mas não obteve mais do que 0,78% dos votos, num sufrágio em que Ramalho Eanes foi reeleito. Com a frequência do Curso Superior de Comando e Direcção do Instituto de Altos Estudos Militares,
ascendeu em 1988, à patente de oficial general.
A 25 de Abril de 2006 foi agraciado pelo presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Rio, com a Medalha Municipal de Mérito (Grau Ouro), pelo seu “desempenho militar” e “papel fundamental na consolidação da democracia nacional durante o período em que comandou a Região Militar do Norte”.
Pires Veloso era irmão mais novo de Aureliano Veloso, o primeiro presidente da Câmara Municipal do Porto eleito democraticamente após o 25 de Abril de 1974, e tio do cantor Rui Veloso.