cartas à directora 17/08
O reino de Portugal e a República de Lisboa
Nasci no dia 5 de Outubro numa família republicana. A causa monárquica sempre me pareceu uma coisa tão deslocada no tempo que nunca questionei a natureza republicana do regime. Até hoje. Com efeito, ocorreram dois acontecimentos este ano que me fizeram mudar radicalmente de ideias: um externo (a sucessão de D. Juan Carlos); e outro interno (a reforma do mapa judiciário).
Com a sucessão de D. Juan Carlos, percebi uma coisa que, nesse momento, se tornou óbvia para mim, tendo em conta o fervilhar dos nacionalismos: que apenas o Rei era capaz de garantir a unidade do Estado espanhol. Por sua vez, com a reforma do mapa judiciário, percebi que, à medida que os votos se vão amontando na reduzida faixa litoral Lisboa - Porto, a República vai-se confinando paulatinamente a esse território. Ou seja, enquanto a monarquia tem o condão de esticar o território, a República encolhe-o.
O Rei, ao contrário do Presidente da República, é uma instituição que, por via da sucessão hereditária, transporta consigo todo o património histórico e cultural do reino. E, nessa medida, resiste muito melhor às pulsões das modas e do tempo presente, sempre efémero e circunstancial, do que um Presidente da República que, para ser eleito, tem de ser da cor da moda e andar a reboque das maiorias. Por alguma razão, o Rei é de Portugal e o Presidente é da República.
Nas monarquias parlamentares, até o povo tem mais facilidade em distinguir o essencial do circunstancial. O essencial, que tem a ver com a independência nacional, a soberania e a unidade do estado, tem por referência a figura do Rei; o circunstancial, que tem a ver com a governação do país em cada momento, depende inteiramente do Parlamento eleito.
Neste momento, por via da concentração dos votos na região de Lisboa, a República deixou de ser portuguesa e passou a ser lisboeta. E a elite política que nos governa e que se vai amontoando em Lisboa é incapaz de abrir mão do que quer que seja com vista a equilibrar e repovoar o território. O mais que se lhes consegue arrancar é meia-dúzia de frases feitas, que reproduzem sempre nos discursos de circunstância, e uns putativos incentivos à fixação de algumas empresas no interior, incentivos esses a que se candidatam apenas as empresas que, por natureza, não podem ficar no litoral.
Ora, como todos sabemos, num país com a nossa configuração, em que a costa litoral é o que tem maior valor económico e o mais apelativo do ponto de vista empresarial, o interior só pode ser repovoado através da deslocação de serviços de Lisboa para o interior, designadamente, da universidade pública, dos quartéis da tropa, de grandes hospitais, de Tribunais, de Direcções Gerais, de Ministérios, etc.. Tanto mais que Lisboa é uma zona sísmica pelo que não é prudente que tudo isto aí se amontoe.
No entanto, o processo é precisamente o inverso. Ao mesmo tempo que fala em investir no interior, o Governo vai varrendo, literalmente, as pessoas do interior para o litoral com o encerramento de escolas, tribunais, centros de saúde, etc.
Veja-se o absurdo deste exemplo. Há escolas novas em folha em aldeias que vão fechar porque só têm 21 alunos e vão-se construir ou ampliar as escolas das cidades para albergar esses novos alunos. Ora, por que razão em vez de se construírem novas escolas na cidade para receber os alunos das aldeias, não são deslocados alunos da cidade para a escola da aldeia, aproveitando-se as instalações aí existentes? A distância entre a aldeia e a cidade não é a mesma para os alunos da aldeia e para os alunos da cidade?
Antes que seja demasiado tarde, Alentejo, Beira Interior e Trás-os-Montes deviam unir-se e formar um grande movimento com vista a resistir ao poder político de Lisboa, sob pena de, muito em breve, quer por força das políticas dos governos, quer por força da quebra de natalidade que vai ter especial impacto neste regiões, verem morrer, nos próximos anos, as suas aldeias, vilas e cidades. É a HORA!
Santana-Maia Leonardo, Abrantes