Há muito que não me visitava, sim, estou aqui a saudar-me, regressado de uma viagem longa, a colocar-me e a responder a questões do tipo, “por onde andaste”, “porque te demoraste”, “afinal de contas quem és tu, o forasteiro na sua própria terra”. As respostas me têm saído custosas, confesso, eu sou esse órfão cultural que mal sabe contar até dez na língua dos meus pais, dos pais destes e por aí fora. Mosi, vali, tatu, kuãla, cinco, seis, sete, oito, nove, ekui… Como vêem, não venho visitar parente nenhum, venho visitar-me a mim mesmo. Ainda que no exterior a coisa se apresente de outra forma. Sou agora o centro das atenções familiares e duma legião de parentes por afinidade, cuja maioria dos nomes mal me recordo; curiosos, me pedem para lhes contar histórias para boi dormir, sobre terras distantes por onde tenho passeado a minha angolanidade, quando tudo o que quero é estar aqui, quieto e a aprender a falar umbundu.
Mas lhes fiz a vontade, respondi-lhes sobre o útil e o fútil, quantas gramas pesam os sonhos, o porquê de acreditar no poder dos contraceptivos quando se é nómada, e tal como os marinheiros, cada porto revela uma nova paixão. Rimos, lamentamos as desgraças, o paludismo e o número de funerais celebrados nos últimos meses. Comemos jinguba e bebemos quissangua, mas à medida que se ia chegando ao rolão no fundo do jarro, sou tomado por uma sensação estranha, inquisitória: o que nos faz pertencer a este lugar? Saber cantar o hino nacional? Identificar o número de afluentes do rio Kwanza? Talvez esteja até a colocar a questão errada, porque agora que tento elaborar sobre essa coisa da identidade, outra questão mais pertinente me surge: “que tipo de angolano queremos ser?” A resposta, repousa na língua, para ser mais preciso, nas seis línguas nacionais e nos outros tantos dialectos que Angola possui, e a encontraremos quando aprendermos a expressar sentimentos da mesma forma que fazem os angolanos que não sabem quantos barris de petróleo saem de Cabinda por dia ou quantos Cuanhamas vivem do outro lado do rio Cunene.
No momento em que piso este chão, sou de imediato assombrado pelo sentimento de pertença, perante a lei dos homens sou Kalaf Epalanga Alfredo Ângelo, raras são as vezes em que digo em voz alta o meu nome por extenso, dizê-lo aqui soa diferente, principalmente o negligenciado Epalanga, herança do meu avô materno, que é filho destas terras e que sobre o qual todas as palavras seriam insuficientes para abraçar a complexidade de um homem que dedicou toda a sua vida a servir o outro, o angolano. E nesse acto de uma generosidade cristã e de um rigor marxista do alto dos seus 90 e muitos anos de idade (quase 100), está o maior angolano que tive o privilégio de conhecer. Ele queria ser escritor, o tempo ficou-lhe curto e eu, que tempo tenho de sobra, e que dedico a minha vida ao ofício de forjar palavras para contar estórias, por ele, assino todos os textos que me brotam dos dedos: Kalaf Epalanga, ao vosso dispor.