“Sai de baixo”! Não atrapalhes!

É preciso limitar – continuando a legislar nesse sentido – até onde for racionalmente possível, a intervenção da Administração Central, Local e dos Institutos Públicos na tutela da reabilitação urbana.

Em primeiro lugar, a opção pela aquisição de casa própria é para esquecer por umas boas dezenas de anos. Nem os bancos estão devidamente capitalizados para conceder volumes significativos de crédito a juros baixos, nem com os preços a que os imóveis estão colocados no mercado, são possíveis de adquirir, numa sociedade que agora oferece, nos poucos empregos que surgem, remunerações de 700 euros brutos a técnicos muito qualificados.

Em segundo lugar, o arrendamento de casas novas é um exercício económico muitas vezes absurdo para o proprietário. O valor das rendas socialmente viáveis não assegura nenhum retorno aceitável do investimento feito na edificação. O terreno foi adquirido certamente por preço especulativo, com grandes encargos para obter o licenciamento, (sem falar em, de luvas e comissões) e finalmente acresce o custo da construção do imóvel, os juros do crédito e os impostos. Tudo somado, a remuneração do capital investido por um valor adequado não permite arrendar as fracções aos parcos rendimentos líquidos dos presumíveis arrendatários. Estas casas vão ficar desabitadas por muitos e muitos anos e o seu destino final será possivelmente a implosão.

Assim sendo, para alojar as pessoas e manter em funcionamento o que ainda resta de toda a “fileira da construção”, a única solução viável é reabilitar o já edificado. Nesse contexto e nas circunstâncias actuais, talvez, repete-se talvez, seja possível fazer retornar as pessoas às cidades, arrendando essas habitações e espaços comerciais, por preços realistas para a actual penúria de rendimentos das famílias, com que estamos confrontados.

Para tanto, é decisivo que sejam tomadas medidas concretas, rápidas e explícitas em sede de incentivos fiscais à reabilitação, de obtenção de preços de construção razoáveis, de redução de todos os encargos e custos de contexto e sobretudo a eliminação da burocracia e das tutelas dispensáveis nas operações urbanísticas.

As medidas legislativas anunciadas pelo Governo vão teoricamente neste sentido, sendo de realçar a eliminação da noção de solos urbanizáveis e a concentração nos PDM de todas as regras. Parece prometedor, mas a máquina burocrática da administração central e local vai conformar-se com a limitação dos seus poderes, que resultaria de qualquer simplificação?

No regime jurídico vigente, as responsabilidades pela concretização da reabilitação urbana são exercidas no quadro das competências municipais – que são vastíssimas e muito discricionárias – do Instituto da Habitação (IRHU) e de mais umas dezenas de entidades. A execução de operações integradas de reabilitação urbana obriga à delimitação, pelos órgãos municipais das áreas de reabilitação, de documentos de planeamento estratégico e territorial e duma grande complexidade na preparação e execução de operações integradas.

Paralelamente a este quadro, que no passado se revelou duma ineficiência confrangedor, foi-se publicando em regime avulso uma extensa quantidade de programas e instrumentos ditos de apoio, com nomes ou siglas imaginosas como PORTA 65; RECRIA; REHABITA; RECRIPH; SOLARH; FDU; JHFP; POLIS XXI etc., mas com requisitos para lhes ter acesso, que constituem um desafio mesmo para um maratonista.

Finalmente, vale a pena insistir nas SRU municipais? Uma avaliação independente dos custos/benefícios da experiência passada aconselharia isso?

Todo este cenário é sempre temperado com piedosas declarações, no sentido que “os instrumentos de política pública devem incentivar o investimento privado em reabilitação urbana, privilegiando a simplificação dos procedimentos administrativos”. Mas qual é o cidadão que ainda acredita nisto?

Só a título de exemplo, (há dezenas do mesmo estilo, que não cabem neste espaço) por que razão há-de o IRHU apreciar os projectos de delimitação das áreas de reabilitação e as respectivas estratégias ou programas estratégicos, já definidos pelo município? É mais uma daquelas interacções entre entidades locais e centrais, mas para acrescentar o quê? Contribui isso para a simplificação?

Mais frustrante é ficarmos com o pressentimento, (para não dizer a certeza) de que a razão para toda esta verdadeira panóplia tutelar e regulamentar, envolvendo milhares de técnicos e centenas de organismos, a consultar, a opinar e a intervir, que tudo atrasa, tudo complica e tudo torna mais dispendioso, é o interesse em justificar a subsistência de empregos públicos, muitos dos quais absolutamente desnecessários, embora constitucionalmente protegidos ad eternum.

Em suma: É preciso limitar – continuando a legislar nesse sentido – até onde for racionalmente possível, a intervenção da Administração Central, Local e dos Institutos Públicos na tutela da reabilitação urbana. Se estamos a contar com o empenho do Estado – ainda para mais sem recursos financeiros  –  para concretizar um verdadeiro projecto global de reabilitação urbana, é melhor ficarmos sentados.

Os brasileiros têm uma expressão – Sai de baixo – que se tornou conhecida pela exibição de uma série televisiva. Sai de baixo em português (de Portugal) quer dizer qualquer coisa como sai da frente, não atrapalhes. É pedir muito? Se calhar é…

Jurista

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