Mulher, máquina, mulher

A porta do espanto está aberta: LP1, o álbum de estreia de FKA Twigs, emana luz logo ao primeiro choque.

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Em LP1 ouvimos explicitamente a voz de uma mulher e ao mesmo tempo a voz de uma máquina, ambas expondo vulnerabilidades

Em cada canção ouvimos explicitamente a voz de uma mulher, expressando complexidades relacionais, mas ao mesmo tempo é também a voz de uma máquina, expondo vulnerabilidade. É aliás essa espécie de hipersensibilidade digitalizada que atribuiu à maior parte das canções uma carga emocional dual inesperada. 

Do ponto de vista musical, a surpresa é ainda maior. A arquitectura sónica das canções — e raramente esta designação fez tanto sentido como aqui — é metalizada e esquelética, assente em dinamismos rítmicos em câmara lenta, em percussões electrónicas desarmónicas, em contorcionismos intrigantes e em espaços de quase silêncio. Existe uma estilização assumida na maior parte das canções, mas, neste caso, ideia e execução participam do mesmo movimento, acabando por criar um resultado totalmente coerente. Há canções claustrofóbicas e desconfortáveis. Há momentos de melancolia e de solidão. E no entanto é um disco que emana luz, na forma refrescante como o registo confessional, as inflexões vocais que nos levam para lugares inexplorados, sempre entre o real e o irreal, ou os ambientes luxuriantes combinam com a imaginativa composição sónica. 

A música de FKA Twigs provém nitidamente da sua cabeça, alimentada por fantasias só suas, mas nunca se isola em si própria, conseguindo criar espaços de respiração para fora. Não só ao primeiro álbum ela encontrou a sua voz, como também foi capaz de discernir um mapa sonoro singular para lhe atribuir sentido. Não existem muitas cantoras por aí a fazê-lo logo ao primeiro choque. 

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