Um robô pode roubar-lhe o emprego?

Vem aí uma nova revolução tecnológica? Vai eliminar empregos? Aumentar ainda mais as desigualdades? Quem vai à frente nesta corrida? Pergunta desnecessária: os Estados Unidos. Mesmo que absorvendo o que de melhor há na Europa e no mundo.

Foto

Sentir-se-ia confortável a viajar num carro sem condutor? Admitiria que um robô cuidasse da sua mãe ou fosse com o seu filho comprar um gelado? Para a maior parte das pessoas de cultura ocidental, a resposta é negativa. As máquinas, por mais inteligentes que sejam, não são humanas, portanto não têm emoções. E mesmo que a ficção científica as apresente como seres “quase humanos”, sempre lhes há-de faltar alguma coisa. Podem avariar. Podem ver-se confrontadas com uma situação para a qual não estão preparadas. E, bem vistas as coisas, ninguém se atreve ainda a antecipar que os “robôs” inteligentes, que são computadores com uma gigantesca acumulação de informação, já estão prontos para entrar nas nossas vidas e na vida das empresas ao ponto de operarem uma “ruptura”.

Estas considerações sensatas não eliminam a actualidade do tema. Até porque ele tem hoje uma nova dimensão social que já faz parte do debate público nas sociedades mais avançadas: o seu impacte nos empregos de uma classe média que já foi “esmagada” durante as últimas duas décadas graças à revolução das tecnologias de informação e à globalização económica, que viu os seus salários estagnarem e que pode vir a ser uma das potenciais “vítimas” de um novo salto tecnológico. Os robôs tomaram conta do debate nas universidades, sobretudo americanas, mas também na imprensa ocidental. O que é, só por si, um sintoma.

Na sua edição de 29 de Março de 2014, a capa da Economist chamava a atenção para esse mundo “robotizado” que pode estar na próxima esquina. A revista cujas capas são famosas pela força da sua mensagem (mesmo quando, às vezes, se enganam) dedicava um vasto dossier ao assunto com um título ainda mais sugestivo: “Os imigrantes que vêm do futuro”.

Na quarta-feira passada, a imprensa britânica anunciava que o Governo de sua Majestade estava a preparar medidas para autorizar os automóveis sem condutor a circular nas estradas britânicas. Escreve a BBC que, até agora, esses automóveis apenas podiam circular em estradas privadas. O Tesouro britânico anunciou a criação de um prémio de 10 milhões de libras (12,6 milhões de euros) para financiar uma cidade que aceite servir de teste para essa nova forma de mobilidade. George Osborne, o ministro do Tesouro, justificou a sua decisão: “O objectivo é garantir que o enquadramento legislativo e regulador possa mostrar às grandes empresas do sector que o Reino Unido é o sítio certo para desenvolver e testar carros sem condutor.”

Três estados norte-americanos (Califórnia, Nevada e Florida) e Washington DC já têm legislação para possibilitar a mesma coisa. A Nissan já testou na estrada o seu automóvel sem condutor. Em Gotemburgo, na Suécia, a Volvo prevê mil destes veículos a circular em 2017. A Google também já está a fabricar carros sem condutor. As questões que se colocam são agora de segurança e de prevenção do risco. E, claro está, uma nova concepção do que significa um automóvel. Diz ainda a BBC que o FBI avisou que este novo tipo de veículos pode ser uma arma nas mãos dos terroristas.

Estamos perante aquilo a que os americanos já chamam “terceira revolução industrial”? E que revolução é essa? Com que consequências para a vida das pessoas? A revista britânica já tinha dedicado um número de Janeiro ao impacte das novas tecnologias, que começava por citar um pequeno ensaio de John Maynard Keynes, escrito nos anos 1930 para contrariar a onda de pessimismo que a Grande Depressão estava a causar: As Possibilidades Económicas para os Nossos Netos. Uma das preocupações que Keynes admitia era precisamente o risco de o “desemprego tenológico, devido à nossa descoberta de meios capazes de economizar o uso do trabalho, andar mais depressa do que o ritmo a que podemos encontrar novos usos para esse mesmo trabalho”. O dilema de Keynes não andava longe daquele que hoje se coloca às sociedades mais avançadas. É um traço que acompanha todas as “revoluções industriais” desde a inglesa no início do século XIX. Foram grandes geradoras de riqueza, mesmo que não imediatamente. A Revolução Industrial levou quase um século a beneficiar toda a sociedade. As TIC mudaram a natureza do trabalho mas também aumentaram, e de que maneira, as desigualdades sociais.

Keynes era optimista em relação ao mundo dos seus netos. Hoje, as coisas acontecem mais rapidamente. Falando recentemente no American Entreprise Institue, um think-tank conservador de Washington, Bill Gates avisava que, nos próximos 20 anos, as coisas podem mudar completamente, afectando um sem-número de empregos que hoje ainda se consideram seguros. “A substituição pelo software, seja para os motoristas, os empregados de mesa ou as enfermeiras, está a progredir.” O fundador da Microsoft acrescentou que cabe aos governos reflectir sobre o que aí vem, de forma a reduzirem o impacto negativo desta previsão. Keynes colocou a questão central, que hoje se poderia designar por corrida entre a tecnologia e a educação. Gates alertou para a rapidez das transformações. Os dois têm provavelmente razão. As rupturas tecnológicas podem ser boas no longo prazo, mas podem custar caro no curto.

É esse hoje o debate que se trava nos EUA e em quase todas as democracias avançadas. Há estudos para todos os gostos. Mas primeiro é preciso clarificar o que é esta revolução, que os robôs simbolizam, à qual os americanos chamam já “Terceira Revolução Industrial”.

Um estudo do Atlantic Council, um think-tank americano, define-a assim: “A Terceira Revolução Industrial é uma nova combinação e novas sinergias entre tecnologias que já existem e, ao mesmo tempo, dos próprios produtos e das máquinas para os fazer.” Foi alimentada por décadas de desenvolvimento das aplicações inovadoras das tecnologias da comunicação e da informação, nos avanços da inteligência artificial, da “Internet das coisas” (que pode colocar tudo e todos em contacto através de um chip) e dos novos materiais através das nanotecnologias. Não é uma ruptura única, como a máquina a vapor. É a convergência de múltiplas inovações que cria as condições para uma ruptura. Os robôs simbolizam-na porque preenchem o imaginário de quase toda a gente, graças aos filmes de ficção científica, incluindo os desenhos animados. Os jovens da geração da série Star Wars são hoje os mais entusiastas investigadores da robótica. São muitas as start-up americanas criadas por gente nova que apenas tem como objectivo realizar o sonho de criar um robô. São essas que hoje a Google (que acaba de adquirir oito pequenas empresas ligadas à robótica) e a Amazon estão a comprar por milhões de dólares, talvez porque intuem que vão precisar delas muito em breve.

Entretanto, é preciso estabelecer algumas precisões. Não estamos a falar dos robôs que já são nossos velhos conhecidos pelo menos desde os anos 80 do século passado, que servem para colocar as rodas de um automóvel numa qualquer cadeia de montagem das grandes construtoras do sector. O recurso a estes robôs, que repetem mecanicamente uma determinada operação, começou por ser generalizado no Japão por uma razão fácil de entender: os japoneses, que não gostam de imigrantes, tiveram de encontrar nesses robôs o suplemento de competitividade de que precisavam para a sua indústria exportadora. A França resolveu o mesmo problema com os imigrantes. A partir daí, ficaram definitivamente para trás os Tempos Modernos que Charlot imortalizou. Não são estes robôs que estão hoje no centro do debate. Estamos a falar de “robôs inteligentes”, que servem não apenas para substituir acções mecânicas repetitivas, mas que podem vir a substituir uma mão-de-obra muito mais qualificada e alterar a nossa forma de trabalhar. O debate que hoje se trava é para saber até onde vai esta nova gama de robôs inteligentes. Que empregos pode destruir e que vantagens pode trazer às economias desenvolvidas do Ocidente.

Foto
Pepper, da Softbank, vai começar a ser vendido em Fevereiro e pretende substituir baby-sitters e enfermeiras Yuya Shino/REUTERS

Estamos ainda a falar de tendências que se podem transformar em rupturas algures nos próximos anos. Já vimos equipas de robôs a jogar futebol de salão. Um computador já venceu um campeão de xadrez. O departamento de investigação do Pentágono está a financiar (entre muitas outras coisas) robôs que podem ser fundamentais em zonas de desastre e de guerra para chegar onde as pessoas não podem ou não se arriscam a chegar. Há um robô em Marte que fornece informação preciosa sobre as condições do planeta. A cirurgia já recorre a eles para aumentar a precisão.

Agora, a questão que se põe é a convergência dos grandes avanços tecnológicos numa só plataforma para gerar um robô mais próximo das capacidades humanas, abrindo possibilidades inimagináveis. E que podem também mudar a forma de fazer a guerra — aliás, já estão a mudar —, com a utilização militar dos drones pelo Pentágono, que têm hoje um papel primordial na luta contra o terrorismo. E que alimentam, ao mesmo tempo, um intenso debate de natureza ética sobre a sua utilização. Perguntava a Economist no seu suplemento especial: a quem é que se vão dar as medalhas? Aos soldados confortavelmente sentados diante de um ecrã, algures nos Estados Unidos? Por enquanto, o salto qualitativo que se espera dos robôs inteligentes ainda não é óbvio. Os que já existem não são tão inteligentes assim. Mas a maioria dos cientistas e dos economistas descrevem-nos como sendo mais “sensíveis” ao ambiente que os rodeia, mais flexíveis, mais “amigos” dos humanos que os controlam e com os quais já conseguem aprender determinadas tarefas inteligentes.

E é aí que entra o seu impacte na sociedade e, sobretudo, a sua potencial capacidade para destruir emprego. Uma maioria de economistas retira da História a conclusão de que, mais tarde ou mais cedo, esta nova ruptura tecnológica, com os ganhos de produtividade que permite, acabará por criar uma enorme riqueza nas sociedades mais avançadas. Quem se opõe a esta visão optimista é acusado de “luddita”, o movimento que, no início do século XIX em Inglaterra, destruía as máquinas que estavam a destruir o trabalho. O problema é como conjugar o curto e o longo prazo sem efeitos destruidores do tecido social, que podem correr muito mal se as consequências acentuarem ainda mais o aumento da desigualdade na distribuição dos benefícios, a que hoje assistimos até em sociedades muito mais igualitárias como a Suécia, que não conseguiram escapar a esta regra. Também neste capítulo, está tudo ainda em aberto.

Esta nova vaga de entusiasmo em relação aos robôs foi, de algum modo, acelerada pela crise financeira global desencadeada no coração da América e que veio pôr a descoberto o papel cada vez mais relevante das potências emergentes na economia global. A questão é: como é que as economias avançadas podem recuperar a sua competitividade face às economias emergentes? A palavra-chave da resposta, dos dois lados do Atlântico, é “reindustrialização”, um conceito ainda não totalmente esclarecido (por vezes, apenas significa uma nova tentação proteccionista), mas que vai fazendo o seu caminho. Robôs inteligentes podem permitir à economia americana competir com os salários baixos dos países onde instalou as suas fábricas e trazer algumas de volta. Outros já compreenderam o risco.

Zhang Monan, uma reputada economista chinesa que escreve regularmente no China Daily, dedicou (em 2012) uma análise a esta questão e às suas consequências. “Pode estar a acabar a chamada era do Made in China”, devido a uma nova revolução industrial que altera drasticamente as condições da economia global. “Esta nova revolução será conduzida pela necessidade de fábricas inteligentes ou energia com baixo teor de carbono e não pelos salários mais baixos e pela grande produção, que conduziu a economia nos últimos anos.” Ao apostar na industrialização, os EUA “não estão apenas a pretender de novo as velhas indústrias manufactureiras. Estão a transformar as suas indústrias em concorrentes mais fortes, criando maior valor acrescentado”. A economista também chama a atenção para quem lidera esta revolução tecnológica: “Os Estados Unidos.”

Um estudo do Boston Consulting Group calcula que em áreas como os transportes, os computadores e alguma maquinaria, 10 a 30% dos bens importados da China vão passar a ser feitos na América a partir de 2020.

Mas a grande questão que está a ser debatida nos Estados Unidos é o preço em empregos que esta vantagem competitiva pode causar e como lidar com ela.

Foto
O robô Nao, da Aldebaran Robotics, pretende ser “um amigo” que anda lá por casa Yuya Shino/REUTERS

Um estudo da McKinsey Global Institute, de Maio de 2013 e hoje bastante citado — “Tecnologias Disruptivas: os avanços tecnológicos que vão transformar a vida, os negócios e a economia global” —, tenta identificar as 12 novas tecnologias que podem conduzir a uma transformação económica gigantesca. A robótica avançada é apenas uma delas: “Robôs cada vez mais capazes, que podem registar sensações, com muito mais destreza e inteligência, que podem substituir tarefas que pensávamos antes como demasiado delicadas ou complexas para a automação.” As outras que menciona a “Internet das coisas”, a neurociência, a biociência e a nanociência (a forma de alterar as características moleculares dos seres vivos e dos materiais), a capacidade de acumular energia renovável ou a nova coqueluche que é a impressão 3D. E não vale a pena descartar esta forma de imprimir objectos, quando se sabe que já há partes high-tech de aviões militares que são impressas à medida do consumidor.

A grande conclusão deste estudo é que a natureza do trabalho continuará a mudar. “A natureza do trabalho vai mudar e milhões de pessoas terão necessidade de adquirir novas competências. Não é de espantar que uma nova tecnologia torne certas formas de trabalho inúteis ou não competitivas.” Mas isso obriga os governos a prepararem-se com o devido tempo para enfrentar esse efeito. O objectivo é aumentar a produtividade, que, por sua vez, aumenta os salários e gera mais riqueza na sociedade. Mesmo que não seja para todos. A questão, como a coloca o próprio estudo, é o que os governos podem fazer para “não ter de confrontar uma população furiosa”.

A questão da distribuição dos benefícios é crucial. Escreve ainda a Economist: “A prosperidade criada pela revolução digital foi esmagadoramente para os donos do capital e para a camada mais especializada da população. Nas três décadas passadas, a parte do trabalho na divisão da riqueza global desceu de 64 para 59%.” Mais grave ainda, alertam outros estudos, no ano 2000, 65% dos americanos em idade activa estavam a trabalhar, hoje são 59%. Esta queda já não se explica apenas pelos ciclos económicos nem pelo envelhecimento da população. Até agora, as camadas mais afectadas pelo desemprego eram as que implicavam alguma rotina. Hoje, os computadores estão cada vez mais capacitados para desempenhar tarefas mais complexas de forma mais barata e mais eficaz do que os humanos. Não precisam de comer nem de dormir, nem sequer de descansar. Além disso, o custo do trabalho é cada vez mais um factor sem grande importância. Um valor de um IPad inclui apenas 33% de trabalho físico, do qual a montagem feita na China representa apenas 8%. O seu grande valor está na cabeça de Steve Jobs.

Quase na mesma altura em que a consultora apresentou o seu estudo, um livro intitulado A Quem Pertence o Futuro, do ensaísta americano Jaron Lanier, avisa contra os efeitos negativos das tecnologias digitais utilizadas para eliminar empregos e concentrar a riqueza nas mãos de uma elite. Lanier utiliza o exemplo clássico da Kodak, que chegou a empregar 140 mil pessoas e a valer 28 mil milhões de dólares e que construiu a primeira máquina fotográfica digital. Pediu falência em Janeiro de 2012, vendendo os seus principais activos, e a nova face da fotografia digital chama-se Instagram. “Quando foi vendida ao Facebook por mil milhões de dólares, a empresa tinha 13 empregados.”

Um recente estudo, também muito citado, da responsabilidade de dois investigadores de Oxford, Carl Benedikt Frey e Micahel Osborne, prevê que 47% dos tipos de empregos que existem hoje (que calculam em cerca de 700) podem ser automatizados nas próximas duas décadas.

O problema é tanto mais complexo quanto as economias desenvolvidas colocam a questão do emprego no topo das prioridades políticas de qualquer governo. Não são só os níveis muito elevados de desemprego que afligem as democracias europeias, mas é o próprio emprego que está em queda em quase todas elas, revelando-se uma tendência mais pesada do que os altos e baixos dos ciclos económicos. Num artigo intitulado O Próximo Acto da Internet (distribuído pelo Project Sindycate), o economista americano Bradford DeLongo recorda a onda de optimismo comum a muitos economistas, incluindo ele próprio, que consideraram que a revolução das TIC havia de criar uma era de rápido crescimento da produtividade e, consequentemente, melhorar o bem-estar das pessoas, “independentemente das suas capacidades, riqueza ou base social”. É verdade que toda a gente que tenha acesso a um computador e à Internet abriu enormemente os seus horizontes e tem uma vida mais fácil. Com a “Internet das coisas”, qualquer pessoa pode controlar as máquinas que funcionam na sua casa, ajudando à poupança de energia e de dinheiro. E, no entanto, foram poucos os que beneficiaram financeiramente desta revolução.

A maioria da classe média americana (mas também europeia) viu os seus salários estagnados ao longo das duas últimas décadas, enquanto as elites ficavam cada vez mais ricas. “De tal modo que uma doença pode ser uma catástrofe económica, que ter uma casa implica um endividamento até ao fim da vida e que enviar os filhos para a universidade é cada vez mais caro.” DeLongo está a falar da América, mas as sociedades europeias também não são imunes a este efeito de compressão que as TIC e a globalização desencadearam e que os robôs podem acentuar.

Quanto à liderança americana, apesar da crise, das restrições à imigração ou da redução do orçamento do Pentágono para a investigação, ninguém a põe em causa. O acesso ao capital é muito mais fácil, o custo da energia é muito mais baixo, o investimento público muito maior (o Pentágono, a NASA, etc. encarregam-se de o manter), representando ainda hoje 33% do investimento em I&D em todo o mundo. E as suas universidades, que Manuel Castells, o grande teórico da Era da Informação, dizia serem a base do seu poder, continuam a atrair os melhores. Esta é uma boa deixa para olhar para o que se está a passar na Europa.

Quando o sociólogo catalão de Berkley descreveu as condições ideais para os países tirarem proveito das TIC e da globalização económica, elegeu a Finlândia como a sociedade quase perfeita para conseguir este objectivo. Escreveu, aliás, um livro sobre o modelo finlandês que se transformou num best-seller em Portugal ou em França, quando a Europa ainda pensava que tinha de emular a América para tirar o mesmo proveito da era da Internet. O segredo finlandês estava na capacidade de conciliar um sistema de segurança social muito bom, incluindo no capítulo da educação, com uma economia altamente competitiva.

Foto
As empresas europeias e japonesas lideram há décadas a indústria da robótica, mas começam agora a enfrentar uma maior competição vinda de Silicon Valley Yuya Shino/REuters

No mês passado, o novo primeiro-ministro finlandês, Alexander Stubb, conseguiu descrever numa frase os problemas que a Finlândia, com a sua economia em recessão, tem de enfrentar. “A Finlândia apoiava-se em dois pilares: um era a indústria da tecnologia da informação, o outro a indústria do papel.” O problema é que o iPhone acabou com a Nokia e o iPad ameaça a indústria de papel. Para concluir: “Sim, Steve Jobs levou os nossos empregos, mas isto está a começar a mudar.” Foi o que aconteceu numa década. Hoje, a Europa continua a enfrentar problemas de competitividade e tem de manter a sua capacidade de inovar, sob pena de perder a corrida com as economias emergentes.

Também no mês passado, a vice-presidente da Comissão Europeia que se ocupa da economia digital, Neelie Kroes, apresentou aos 180 empresários e institutos de investigação na área da robótica (entre os quais, o Instituto de Sistemas e Robótica da Universidade de Coimbra) um programa de apoio que se salda em 700 milhões de euros de fundos europeus, mais 1,2 mil milhões do sector privado. A Europa, disse a comissária, “precisa de ser um produtor e não apenas um consumidor de robôs”. O sector emprega 34 milhões de pessoas e representa 35% do mercado global. Kroes insistiu na necessidade de tranquilizar os europeus sobre o efeito da nova vaga tecnológica nos seus empregos. “Se não o fizermos, poderemos ter grandes problemas na economia.” Mas admitiu que haverá repercussões de curto prazo que podem não ser agradáveis.

As empresas europeias e japonesas lideram há décadas a indústria da robótica, mas começam agora a enfrentar uma maior competição vinda de Silicon Valley, onde a Google e a Amazon estão a investir fortemente. O chefe da área tecnológica da Kuka, empresa alemã do sector, disse, citado pelo Financial Times, que o maior problema do sector é a fuga de cérebros. “Alguns dos maiores cientistas de robótica são europeus, e esta é a parte boa; a má é que estão a trabalhar em empresas e universidades americanas.”

Na mesma altura, Hewrman Bruyninckx, professor da Universidade de Lovaina, confirmou: “Uma parte dos nossos investigadores está agora a fazer carreira nos EUA. O nosso sistema académico não está optimizado para a inovação.” A Europa tem mais desemprego, em particular nos jovens que deviam estar a ser preparados para enfrentar esta ruptura tecnológica. O financiamento das ideias novas é muito mais difícil do que nos Estados Unidos. Apesar do modelo social, as desigualdades estão também a abrir feridas profundas. A austeridade reduz o investimento na I&D, como todos os dias nos damos conta. E, depois, o resto do mundo não vai ficar eternamente à espera. Keynes também nos disse que, no longo prazo, estávamos todos mortos.

Sugerir correcção
Comentar