Negociações de última hora tentam evitar um default da Argentina que parece cada vez mais certo
Acaba esta quarta-feira o prazo para a Argentina amortizar os juros dos títulos de dívida que tinha reestruturado em 2005 e 2010.
A situação está longe de ser simples e, se vier a confirmar-se, este novo incumprimento da Argentina é bem diferente daquilo que é habitual. Neste caso, não estamos perante o típico cenário de um Estado sem dinheiro, pressionado pelos mercados e pelo FMI e com as pessoas à porta dos bancos a tentarem levantar todo as poupanças que for possível.
Desta vez, as autoridades em Buenos Aires garantem que, não só querem amortizar os títulos de dívida em causa, como têm dinheiro para o fazer. O problema, dizem, é que um juiz norte-americano, Thomas Griesa, não o permite.
A história começa em 2001, a data do último default argentino. Com a dívida pública a superar os 200% do PIB e as reservas em mínimos, a Argentina anunciou que deixaria de fazer face aos seus compromissos com os credores internacionais. Em 2005 e 2010, com a situação já estabilizada e para tentar restabelecer o acesso aos mercados internacionais, o país decidiu começar a negociar com os credores e conseguiu que mais de 92% deles aceitassem trocar os títulos de dívida antigos por novos, com um valor cerca de 70% mais baixo.
O problema é que, entre os 8% que não aceitaram trocar os seus títulos de dívida, alguns – especialmente hedge funds especializados neste tipo de operação - decidiram levar o caso para os tribunais norte-americanos. Após vários julgamentos e recursos, o juiz Thomas Griesa decidiu que a Argentina apenas podia pagar os títulos novos de dívida que tinha negociado com a maioria dos credores se pagasse também os títulos antigos detidos pela minoria que recorreu ao tribunal.
O tribunal norte-americano garante a aplicação desta sentença ao proibir qualquer instituição financeira norte-americana de colaborar com a Argentina nos procedimentos para pagar os títulos novos, o que na prática deixa o Estado argentino de mãos atadas.
É este o dilema que neste momento enfrenta o Governo liderado por Cristina Kirchner: para cumprir com os credores que aceitaram reestruturar a dívida em 2005 e 2010 (o prazo para amortização termina esta quarta-feira) tem também de pagar 1300 milhões de dólares aos credores que não aceitaram a reestruturação e a quem chamam de “abutres”.
Para além da aversão que demonstra em negociar com os “fundos abutres” e do elevado valor em causa, o governo argentino apresenta um argumento importante para não querer pagar estes títulos antigos. É que se o fizer, é accionada uma cláusula (chamada RUFO) dos títulos novos que foram alvo de reestruturação que dá o direito aos seus detentores de beneficiarem de condições idênticas às dos detentores dos títulos antigos. Isto significaria a anulação da reestruturação feita no passado e faria disparar a dívida argentina para valores insustentáveis para as suas finanças públicas.
Encontrar uma solução para este problema, especialmente num tão curto espaço de tempo, não está a ser tarefa fácil. Ainda assim, durante esta terça-feira, viram-se três sinais de que ainda há vontade para resolver a situação. Primeiro, Thomas Griesa (que está a ser descrito por Kirshner como o grande inimigo do país) deu um primeiro sinal de flexibilização permitindo que, por uma única vez, o Citigroup processasse a amortização de títulos cuja jurisdição esteja a cargo dos tribunais argentinos. Fê-lo para que a espanhola Repsol pudesse ser ressarcida da expropriação de que foi alvo.
Depois, o Estado argentino fez questão de dar mais um sinal de que está disposto a não falhar os seus compromissos internacionais, antecipando em dois dias o pagamento de uma tranche de 642 milhões de dólares ao Clube de Paris, referente a dívidas antigas a países credores.
Por último, alguns dos detentores de títulos novos, que esperavam estar a ser finalmente reembolsados, ainda que parcialmente, pelos seus empréstimos, mostraram disponibilidade para abdicarem da aplicação da cláusula RUFO, facilitando deste modo um eventual pagamento por parte da argentina aos “fundos abutre”.
Na reunião do final desta terça-feira, a equipa do Ministério das Finanças argentino que se reuniu com o mediador nomeado pela justiça-norte-americana tentava que fosse aceite um adiamento da aplicação da sentença, que permitisse à Argentina pagar a dívida aos credores que aceitaram a reestruturação.
Com tão poucas horas para o fim do prazo, apenas esta decisão, considerada pela generalidade dos analistas como improvável, poderia evitar um novo default que teria, de imediato uma consequência: todos os credores do Estado argentino poderiam passar a exigir o imediato reembolso dos seus empréstimos, o que colocaria em 29 mil milhões de dólares o passivo de muito curto prazo do país, um valor já acima das suas reservas.