Casa onde viveu Salazar à venda por cinco milhões de euros

Agente imobiliário diz que preço se deve ao “valor do terreno" e não ao "edifício em si”.

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Daniel Rocha
Salazar obrigou Portugal a ajustar-se a uma ideia de nação, como se a ditadura correspondesse ao regresso a um "estado natural" do país
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Salazar muda-se de Coimbra para Lisboa, em 1928. ADRIANO MIRANDA

O ditador viveu no n.º 64 da Rua Bernardo Lima, em Lisboa, edifício actualmente em ruínas, de que apenas resta a fachada. À venda pelo preço base de 5,5 milhões de euros, a imobiliária considera que se trata de “um terreno com enorme potencial, no centro de Lisboa, com 1410 m2”, na zona do Marquês de Pombal. Segundo o agente imobiliário responsável pela venda da casa, Sérgio Pires, o preço estipulado prende-se com “o valor do terreno e não pelo edifício em si”.

Salazar muda-se de Coimbra, onde estudou Direito, para Lisboa, em 1928, para desempenhar funções como ministro das finanças. Antes de habitar na Rua Bernardo Lima, Salazar já teria arrendado outras duas casas na capital mas, com a nomeação para presidente do Conselho de Ministros, muda-se para este terceiro edifício. O ditador queria uma casa “condizente com a dignidade da função” e a escolha recai numa de fachada tipicamente fin de siècle, refere Joaquim Vieira, autor do livro A Governanta - D. Maria, companheira de Salazar.

Salazar viveria na Bernardo Lima até ocupar o Palácio de São Bento, depois de ter sido alvo do “único atentado” contra a sua vida, em 1937, ao qual sobreviveu “por um triz”, recorda o historiador João Madeira.

“Vamos à missa”
O presidente do conselho costumava ir todos os domingos à missa, na capela privativa do seu amigo Josué Trocado. No dia 4 de Julho de 1937, durante o trajecto habitual de domingo de manhã, entre a sua casa e a capela na Rua Barbosa du Bocage, Salazar foi alvo de um atentado.

“Salazar preparava-se para sair da sua viatura oficial, um buick (…) De repente, uma enorme explosão atroa os ares e esventra a rua. Fumo, pedras, lajes e placas voam pelos ares. Abre-se uma cratera larga e funda na rua. Ouve-se gritos, gente que foge, pessoas que acorrem a ver o sucedido”, descreve o historiador João Madeira, no livro 1937 - O atentado a Salazar – A frente popular em Portugal.

Salazar escapou sem um arranhão deste atentado, que “só não fez vítimas por um erro de cálculo dos responsáveis”, afirmou Joaquim Vieira, atribuindo a responsabilidade a um grupo de anarquistas revoltados pelo apoio político e material do ditador português “aos nacionalistas contra a República em Espanha, chefiados pelo general Francisco Franco”. Já de acordo com o livro de João Madeira, o atentado foi da responsabilidade da Frente Popular, constituída por membros do Partido Comunista Português, anarquistas e sindicalistas.

“Ileso, sacudindo a poeira que o cobrira, o ditador sai da viatura pelo seu próprio pé, olha para os lados e aparentemente indiferente, frio, diz: Vamos assistir à missa”, lê-se no livro de João Madeira.

Após este atentado ao regime, ficou comprometida a segurança do chefe do Governo, “deixando de ser sustentável o modelo de singela residência civil tão relevado pelos seus fiéis como prova provada de um governante imerso no modo de viver português”, refere Joaquim Vieira.

Para uma maior protecção ao ditador foi necessária a “criação de uma residência oficial do chefe do Governo, devidamente resguardada de intenções subversivas”. A opção escolhida foi o palacete de São Bento, expropriado pelo Estado após o atentado, em 1937. Depois de obras, António de Oliveira Salazar ocupou o Palácio de São Bento, em Maio de 1938, onde viveu até à sua morte a 27 de Julho de 1970.