Avós já não substituem infantários mas têm papel fundamental na vida dos netos

Envelhecimento, aumento da idade da reforma e cortes nas pensões estão a transformar a prestação de cuidados dos avós aos netos. O recurso aos avós para cuidados a tempo inteiro tem muitas vezes razões económicas, sendo que a crise tem agudizado a ajuda financeira dos avós. Este sábado é Dia Mundial dos Avós.

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“Os avós já não são uma figura de autoridade, querem brincar, cuidar, criar laços afectivos” Público (arquivo)

Os países do sul da Europa, entre os quais Portugal, são os que apresentam uma maior percentagem de avós a cuidar de netos a tempo inteiro, revela o estudo A prestação de cuidados pelos avós na Europa, publicado recentemente pela Fundação Calouste Gulbenkian. Entre os 11 países estudados, Portugal é o que apresenta a mais elevada percentagem de mães com filhos com idades inferiores a seis anos que trabalham a tempo inteiro, o que justifica, em parte, a maior dependência dos cuidados intensivos prestados pelos avós.

Os autores concluem que esta tendência relaciona-se com a falta de creches e infantários a preços acessíveis, limitadas prestações sociais pagas aos pais, e poucas oportunidades para as mães trabalharem a tempo parcial. No entanto, a socióloga Karin Wall considera “abusiva” a explicação e lembra que a rede de infantários tem crescido nos últimos anos e que a escola primária em Portugal é a tempo inteiro. A investigadora confere que a geração de avós dos últimos dez anos tem tomado conta dos netos a tempo inteiro, mas afirma que a situação está a mudar.

“Agora há uma aceitação geral de que a criança com dois ou três anos deve ir para o jardim-de-infância”, afirma. Cerca de 40% das crianças são criadas em creches e infantários, portanto, os avós continuam a dar apoio no dia-a-dia, mas já não substituem o cuidado e o acompanhamento pedagógico profissional. No entanto, um terço das crianças, sobretudo antes de irem para a pré-escola, ainda são criadas pelos avós, que são uma solução ocasional “importantíssima”.

É o caso, por exemplo, de Teresa Brandão, agora com quatro anos. Passava os dias “e até as noites” com a avó Maria José e o avô Costa, mas ao completar três anos foi para a pré-escola. “Deixou-me muita pena”, lamenta a avó “Zeza”, recordando como passavam os dias em brincadeiras e a contar histórias com lições de vida. “A Teresa é uma terceira filha para mim, usufruo mais dela e acompanho todos os seus passos”, explica, para recordar que com a sua filha "tinha que trabalhar”.

Karin Wall diz que esta é uma grande mudança nas famílias: “Os avós já não são uma figura de autoridade, querem brincar, cuidar, criar laços afectivos. Assumem um papel de vigilância dos filhos e netos, um pouco à rectaguarda”. No entanto, num cenário em que avós, filhos e netos convivem no mesmo agregado familiar, muitas vezes os avós adquirem um maior protagonismo e “substituem” os pais. O avô Costa e a avó Maria José garantem: “Mesmo quando os pais estão em casa, ela prefere estar na nossa casa. Quando cai e magoa-se, só chama pela avó”.

“É preciso negociar a forma de coordenação entre educação parental e a educação dada pelos avós, que normalmente é mais permissiva”, defende Karin Wall. Maria José considera que actualmente os pais são mais rigorosos, mas recusa a ideia de que os avós “estragam” os netos: “O que eu fazia à minha filha é o que faço à minha neta”. A avó ressalva, contudo, a importância de não haver um “choque” entre pais e avós. A socióloga considera-os normais, mas defende a existência de mais informação sobre como gerir as diferenças inter-geracionais.

O recurso aos cuidados a tempo inteiro dos avós tem muitas vezes razões económicas, mas o impacto financeiro do apoio dos avós vai para além do dinheiro poupado em jardins-de-infância ou actividades. Karin Wall refere que os estudos em que tem participado – o mais recente no ano passado – revelam que o apoio financeiro dos avós aos filhos e netos é muito importante, sobretudo nas famílias desfavorecidas.

Maria José e Basílio Costa, avós de Teresa, confirmam: “Também ajudamos financeiramente. Sentimo-nos na obrigação”.

A socióloga alerta, no entanto, que a crise está a ter um “impacto terrível” no apoio financeiro. “Com os cortes nas pensões, os avós têm menos possibilidades de ajudar”. Também o estudo A prestação de cuidados pelos avós na Europa refere que o “papel vital” dos avós na prestação de cuidados infantis “pode colidir com as suas capacidades de autofinanciamento numa situação de crise e cortes nas pensões”.

“Os netos a cuidar dos avós”
A cultura familiar em Portugal promove a importância dos avós e, segundo a socióloga Karin Wall, “as relações inter-geracionais ainda são fortes e os avós ainda têm um papel muito importante e dinâmico na família, nas actividades e na troca de ideias”. Este facto favorece uma atitude diferente dos jovens face aos idosos e um dia “a situação inverte-se”.

Ana Luísa Azevedo, de 21 anos, passou “praticamente toda a vida” com os avós. É com carinho que recorda os momentos em que Olinda Ramos ou Fernando Costa a iam buscar à escola e brincavam com ela. “Eu sou muito agarrada aos meus avós”, confirma, e apesar de hoje já não ter avô, quer retribuir à avó Olinda: “Gosto muito de a mimar. Dou-lhe prendas no dia dos avós, no aniversário e no Natal”. Ana afirma que gosta de acompanhar a avó: “Conheço a melhor amiga dela, levo-as ao metro quando querem ir passear à cidade. Quando ela tem exames, muitas vezes sou eu que os marco, que a levo e que depois os levanto”.

Os benefícios das relações entre avós e netos, contudo, começam mais cedo. Os avós de Teresa garantem que aprendem com a neta diariamente. Karin Wall destaca a importância da “partilha de saberes, de cima para baixo e de baixo para cima”, que encurta a distância inter-geracional.

No estudo sobre os avós europeus, pode ler-se que em Portugal têm aumentado os agregados familiares de avós com três gerações. Karin Wall chama-lhe “família vertical” e fala num novo cenário familiar: “As famílias estão mais pequenas, mas com mais gerações” e frequentemente convivem no mesmo agregado familiar.

Há, então, uma grande diversidade no ser-se avô em Portugal, afirma Karin Wall, que explica que o tipo de avô depende de factores como a idade, a situação profissional, a distância geográfica, entre muitos outros. O referido estudo conclui que as avós mulheres, mais jovens, saudáveis e instruídas, com parceiro e com vantagens socioeconómicas são as que prestam mais cuidados aos netos.

Ana mostra-se preocupada: “Tenho pena que o nosso conceito de avós esteja a desaparecer, pois cada vez mais adia-se a maternidade e também os avós ficam mais velhos. [Quando eu era criança] os meus avós tinham 50 anos e corriam, brincavam comigo, mas quanto mais velhos ficam menos energia têm”.

O papel dos avós está em transformação. O estudo da Fundação Gulbenkian conclui que o “envelhecimento da população, maior número de mães no mercado de trabalho, aumento dos divórcios e separações indicam que é provável que avós desempenhem um papel cada vez mais preponderante na vida familiar”.
 
Texto editado por Andrea Cunha Freitas

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