A Marvão “só faltava a música”, a partir desta sexta-feira já não falta
Um maestro alemão sonhou fazer um festival internacional de música clássica em Marvão. Convidou a Orquestra Gulbenkian, trouxe músicos da Alemanha e da Coreia, conseguiu o apoio de duas fundações alemãs. O festival arranca esta sexta-feira.
“Como músico, já estive por todo o mundo, em locais muito bonitos, mas Marvão é ainda algo de especial, sem qualquer comparação com outra coisa. Pensei imediatamente que a única coisa que faltava ali era música”.
São cinco e meia da tarde de terça-feira, e o maestro está sentado num banco no jardim da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, depois de terminar mais um ensaio com a Orquestra Gulbenkian. O último ensaio em Lisboa estava previsto para o dia seguinte, e depois, maestro e músicos voltariam a encontrar-se em Marvão, onde esta sexta-feira começa o Festival Internacional de Música de Marvão.
Passou-se cerca de um ano desde o momento em que Christoph Poppen pensou que seria uma boa ideia fazer um festival em Marvão e o dia de hoje, em que esse projecto, que inicialmente parecia improvável, vai tornar-se realidade. Serão três dias de concertos com a orquestra e vários solistas, música clássica mas não só, em lugares muito especiais da vila, do pátio do castelo às igrejas, passando por uma pequena cisterna que receberá o concerto mais intimista de todo o programa.
Poppen não parece nem um pouco cansado, depois de horas e horas a ensaiar. Pelo contrário, todo o projecto parece revigorá-lo, e mal pode conter o entusiasmo perante o que está a acontecer. “Quando se planeia um festival, geralmente arranja-se o dinheiro e depois vê-se quanto se pode pagar e quem se pode convidar”, explica. “Mas achei que isso ia demorar demasiado tempo, e que seria melhor começar pelo lado artístico. E como o melhor é suficientemente bom, comecei por convidar a Orquestra Gulbenkian, que imediatamente concordou em participar e com dois programas, o que é fantástico.”
Depois voltou-se para os amigos e desafiou-os. “Expliquei a situação, disse que queríamos fazer um festival e que não tínhamos dinheiro, que não poderia pagar-lhes como deve ser, mas que mesmo assim gostaria que viessem. Todos concordaram em vir pela ideia do festival. Foi então que começámos à procura de dinheiro”. Apesar dos apoios institucionais que conseguiram em Portugal, o verdadeiro apoio financeiro que vai permitir que o festival aconteça acabou por vir de duas fundações alemãs.
“A soprano Juliane Banse que é muito famosa e muito ocupada, acaba de actuar com as orquestras filarmónicas de Israel e de Viena, e tem estado nos grandes palcos do mundo, virá”. Abre um enorme sorriso. “Consegui convencê-la porque é minha mulher, e mesmo assim não foi tão fácil como isso”. Virão também o clarinetista alemão Jörg Widmann, a violinista também alemã Veronika Eberle, Ricardo Gordo, que tocará guitarra portuguesa, o Novus String Quartet, “um quarteto coreano fantástico, estrelas em ascensão”, Felix Maria Woschek, “um cantor entre estilos, entre mundos, cujo objectivo foi sempre construir pontes entre as diferentes religiões” e que vive em Portugal, e a alemã Susanne Schietzel-Mittelstrass, que tocará flautas paleolíticas.
Tudo se passou de uma forma pouco habitual. Poppen é, claro, o director artístico, mas o Marvão Music não tem exactamente um administrador. “O que aconteceu foi que desde o início houve voluntários da região que disseram que gostariam de participar, mas nenhum queria ser o principal. E assim toda a organização é feita por um grupo democrático de pessoas que reúne portugueses, estrangeiros que vivem na região, e portugueses que viveram no estrangeiro.”
O maestro, que já comprou uma casa na vila, começou a explorar os espaços e perceber que no castelo “há um pátio perfeito, com uma acústica fantástica”, onde irá tocar a orquestra. “Há também um anfiteatro natural onde no futuro gostaria de construir um palco, mas isso terá que ficar para outra edição”. Depois, e porque “Marvão é também um lugar com uma forte carga espiritual”, quis usar três igrejas, duas das quais não estão habitualmente abertas ao público.
E, por fim, haverá o tal concerto especial na cisterna do castelo, no qual Susanne Schietzel-Mittelstrass tocará flautas paleolíticas. “São flautas da Idade da Pedra, os primeiros instrumentos que o Homem começou a usar, e ela vai tocá-los na incrível cisterna, dentro de um barco”, conta, entusiasmado. Poppen acredita que para músicos habituados “a tocar nas grandes salas de concertos, com o microfone à frente” será um prazer tocar nestes espaços e relembrar que “a música nasceu de um sentimento de amor à vida”.
Quanto ao futuro do festival – que o maestro já sonha abrir a outros estilos musicais e a “incluir projectos educacionais com crianças e jovens músicos” – muito vai depender de como correr esta primeira edição. “Os responsáveis locais, o Turismo do Alentejo, todos sentem que isto é uma coisa muito especial”, afirma. “Se tudo correr como imagino, vai-se criar uma ligação emocional tão grande que as pessoas estarão dispostas a dar o passo seguinte e a dizer ‘este é o meu festival’”.