Organização à moda soviética acusada de centenas de crimes

Ministério Público acusou 27 pessoas de fazerem parte de grupo dedicado a furtos no interior de residências e falsificação de documentos. Estrutura funcionaria com hierarquia rígida e leis próprias.

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O Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa acusou 27 pessoas, 25 das quais da Geórgia, de centenas de crimes associação criminosa, furto, falsificação de documentos, auxílio à imigração ilegal e receptação de material furtado. Entre eles, o presidente e a vice-presidente da Associação de Apoio aos Georgianos em Portugal, Irakli e Nino.

Nino chegou a Portugal em 2004. Tinha 20 anos. O pai dela mudara-se para o país três anos antes. Em 2008, a par de Irakl, três anos mais velho, tornou-se o rosto a associação – devidamente registada como entidade destinada a “defender e a promover os direitos e interesses dos georgianos e [dos] seus descendentes”.

De acordo com a acusação deduzida pelo Ministério Público, Irakli e Nino tratavam de obter vistos consulares e de arrendar casa para compatriotas que se deslocavam ou refugiavam em Portugal. Nessa altura, com outros seis indivíduos, incluindo o pai de Nino, formaram o grupo que, “de forma concertada, estruturada e de comum acordo com outros georgianos instalados na Europa Ocidental, passou a dedicar-se ao furto no interior de residências e à falsificação de documentos”.

Conforme o documento, o grupo "mantinha alguns 'valores' tradicionais das organizações criminosas do período soviético". Seria constituído por múltiplas células. A cúpula é que determinaria quem se deslocaria a Portugal para missões específicas. Cada célula responderia a um “vigilante”, que por sua vez responderia a um “general”, esse já muito próximo da cúpula, formada pelo “chefe do clã” e pelos seus “conselheiros”. Nas suas fileiras figurariam diversos “ladrões em lei”, título "assente no conceito profundamente soviético do 'submundo dos ladrões'".

Os “ladrões em lei” surgiram no tempo de Estaline para dominar o crime dentro dos campos de trabalho forçado. A sua lógica subsiste até hoje nas redes de crime organizado de diversos antigos estados soviéticos. Têm um sistema de responsabilidade colectiva e obedecem a um código de "submissão às leis da vida criminosa”, o que inclui não revelar emoções e não abraçar qualquer trabalho legítimo.

A investigação do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras indicia que a maior parte das pessoas agora formalmente acusadas não tinha permanência regularizada em Portugal. Procurava evitar qualquer registo dos seus movimentos. Com documentos falsos, circulava pelo espaço Schengen sem revelar a identidade.

Viviam em apartamentos simples situados em zonas residenciais de Lisboa e Porto. Conduziam carros discretos. Supostamente, vigiavam residências, estudavam os hábitos dos residentes, avaliavam as possibilidades de lá entrar e a presença de polícia. Em suas casas, fabricavam os instrumentos que lhes permitiam abrir as fechaduras sem as danificar.

A contra vigilância também teria regras inflexíveis. De cada vez que um era detido, os outros mudavam o cartão telefónico. Nino, a quem caberia guardar os documentos verdadeiros de cada um, apresentar-se-ia como intérprete e aproveitaria para passar informação sobre os processos.

Um "fundo" comum
O estatuto de dirigente associativa terá permitido a Nino acudir membros da organização em diversas ocasiões. A 30 de Setembro de 2012, por exemplo, ter-se-á deslocado ao Aeroporto Internacional de Lisboa e ter-se-á responsabilizado pela entrada e permanência de dois operacionais, a quem o SEF estava a dificultar a entrada em território nacional. O mesmo terá acontecido dois meses depois com outros dois.

Conforme explica o Ministério Público,  a estrutura de apoio comporta um “fundo comum”, o chamado “obshak”. Mediante os proventos do crime, cada um contribui para o “fundo” do grupo. Parte desse valor reverte para o “fundo” do nível superior e por aí acima até ao “fundo comum global”.

Quem guarda o “fundo”, em cada um dos níveis, é o “vigilante”. O “fundo comum global” é controlado pelo líder da organização ou por alguém da sua confiança. Violar as regras de gestão origina severas consequências – no limite mutilação ou morte.

A Aleksandre, o alegado “vigilante” em Portugal, caberia gerir o “fundo” da célula que operava no país. Neste caso,  o “obshak” seria usado para pagar o tributo ao nível seguinte da organização, para sustentar os membros do grupo e as suas famílias e para suportar as despesas dos operacionais presos e as suas famílias.

Quando Aleksandre foi detido, em Abril do ano passado, as autoridades interceptaram uma conversa entre Nino e Roin, um suposto operacional investido da missão de acolher os recém-chegados e de instruí-los na prática de furto de residências. Ele estava preocupado com a falta de dinheiro em caixa. As últimas residências não tinham objectos de valor. Ao que se pode aferir pela leitura da acusão, dois dos furtos mais rentáveis remetem para pouco depois disso.

Em Maio, em Odivelas, quatro elementos entraram num apartamento e levaram 40 mil euros em dinheiro, um portátil, uma máquina fotográfica, outra de filmar, um televisor, um faqueiro de prata e algumas jóias, tudo avaliado em 65 mil euros. Em Junho, três entraram numa casa em Campolide e levaram relógios e jóias avaliados em 100 mil euros.

A célula portuguesa foi arrasada pelo SEF em Junho do ano passado. Durante uma operação desencadeada em diversas zonas, as autoridades apreenderam produtos furtado e material usado para entrar em residências. A maior parte dos detidos está em prisão preventiva. Irakli continua a monte.

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