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Os dias que correm

A fé não é estanque. Nuns dias sentimo-la mais forte que noutros. A minha fé na Humanidade, na última semana, andou pelo esgoto

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Samsul Said/Reuters

O meu mural do Facebook teve uma das suas semanas mais deprimentes. Além das imagens cheias de frases vazias e bacocas e das indirectas que se atiram em público sabe-se lá para quem, houve muitas notícias. Trágicas notícias. A frieza jornalística, desta vez, não se conseguiu sobrepor ao horror e a avalanche de maldade abalou-me, chocou-me. Tomo a liberdade de vo-la recordar.

Antes de mais, devo dizer que os “links” que se seguem podem chocar os mais sensíveis. Comecemos pela história que marcou as últimas horas: quase trezentas pessoas, viajando tranquilamente a caminho da Malásia, cada uma com o seu propósito, são brutalmente arrancadas deste planeta porque um alucinado resolveu disparar um míssil na direcção de um avião da malograda Malaysian Airlines. Menos de um dia depois, o “Correio da Manhã” e o “Diário de Notícias” resolveram espetar nas suas manchetes os corpos decepados dos infelizes que viajavam em direcção à Malásia. Até o “Daily Mail”, que é conhecido por ser um dos tablóides mais agressivos do Reino Unido, pixelizou as imagens dos cadáveres — por estas e por outras é que tenho vergonha de ser jornalista em Portugal.

Este foi o assunto que desviou as atenções do genocídio que tem vindo a registar-se, mais uma vez, na faixa de Gaza. No caldeirão da violência, onde uma mínima sílaba pode espoletar um violento confronto, os números de mortos aumentam em catadupa. Em doze dias, perderam-se mais de 300 almas, muito graças às ofensivas aéreas de Israel. Os israelitas, esses, rejubilam e montam espaços para assistir ao espectáculo de luz e som em que vizinhos morrem. Como se não bastasse, a Mossad e os seus braços armados publicam com regozijo operações em que supostos terroristas são abatidos. Para os mais curiosos, até há uma página de Facebook com propaganda.

Então mas também há zonas mais seguras e civilizadas, não há? Há pois. Nem vou mostrar eventos em Portugal; para isso temos os jornais nacionais em constante maquinação, onde os níveis de notícias sobre o estrangeiro roçam o residual. Numa rua de Nova Iorque, há dias, um homem entrou numa altercação com um polícia. Reina quem tem poder e, por isso, o agente, munido da sua plena autoridade, agarrou o homem, sufocando-o até à morte, não obstante as nove vezes em que se ouviu a frase: “não consigo respirar”.

A fé não é estanque. Nuns dias sentimo-la mais forte que noutros. A minha fé na Humanidade, na última semana, andou pelo esgoto, até porque vivemos num sítio onde ainda se perseguem negros em supermercados, julgando que estão prestes a roubar alguma coisa. A cada notícia, uma desilusão, um medo. Então e nós? Nós, aqueles que têm zero poder? O que podemos nós fazer? Por mais que dê voltas à cabeça, não encontro resposta. Porque não há respostas em momentos destes, em momentos em que seres humanos decidem eliminar outros por propósitos que não são os seus.

A única resposta que podemos dar é de tornar o nosso mundo melhor. É fazer cumprir o cliché de dar alegrias aos que nos rodeiam. Ainda que resquícia, sobra a esperança. Talvez o movimento seja contagioso.

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