Juízes esqueceram-se de um crime imputado ao padre e processo volta ao Fundão
Sacerdote foi condenado a dez anos por abusos sexuais. Relação de Coimbra diz que o tribunal não se pronunciou sobre um deles e que nada disse sobre a qualificação que agravava as penas a aplicar.
“No acórdão recorrido apenas consta a condenação por quatro crimes de abuso sexual”, sublinha o acórdão da Relação de Coimbra ao qual o PÚBLICO teve acesso. Os desembargadores, que determinaram a elaboração de uma outra decisão já corrigida, aproveitam ainda para destacar outro erro. Não há qualquer referência à qualificação daqueles crimes que eram imputados pelo Ministério Público ao padre na forma agravada. Terá sido alterada a imputação? Não se sabe. A decisão de primeira instância nada refere sobre isso. A agravação da imputação faz subir a moldura penal a aplicar. “Todos os crimes de abuso sexual imputados na acusação eram agravados”, sustenta a Relação.
O acórdão “não está”, por isso, “elaborado na perfeição”, concluem os desembargadores. Além do mais, os juízes de primeira instância não escreveram na decisão que não existiam factos não provados no julgamento. A omissão, porém, não foi considerada uma nulidade como a defesa pretendia. Aliás, a Relação faz questão de salientar que não faltaram, por outro lado, factos provados que levaram à condenação. “O que se verifica é que, ao contrário do que é habitual em crimes de natureza sexual, no caso existe uma multiplicidade de elementos probatórios que corroboram as declarações dos ofendidos e que categoricamente desmentem as declarações do arguido”, dizem.
Luís Mendes sempre rejeitou ter abusado de qualquer uma das seis crianças, entre os 11 e os 15 anos, em causa. Cinco menores eram alunos em regime de internato no seminário. A sexta vítima foi aluno do padre em 2008, no Colégio Nossa Senhora dos Remédios, na Covilhã.
Faltou gravação em vídeo
A Relação de Coimbra assume também que, ainda antes do julgamento, não existiram meios suficientes para gravar em vídeo os depoimentos das vítimas. Apenas foi possível a gravação em áudio. A defesa havia alegado que uma convenção europeia o impunha. “Muito embora a convenção, aceite no ordenamento jurídico português”, o imponha, não existem meios para levar a efeito o seu cumprimento na íntegra, razão pela qual não existe qualquer violação da lei”, explicam os desembargadores. Recordam ainda que a defesa não o contestou em julgamento.
A Convenção do Conselho da Europa para a Protecção das Crianças Contra a exploração Sexual e os Abusos Sexuais, que data de 2007 e foi transposta para a lei portuguesa em 2012, exige que cada Estado subscritor garanta na legislação a obrigação da gravação em vídeo dos testemunhos de vítimas de abuso sexual. O Código de Processo Penal ainda não o prevê.
De resto, os desembargadores rejeitaram todos os outros argumentos do recurso da defesa do padre. O PÚBLICO tentou, sem sucesso, obter a reacção do advogado do padre, Inácio Vilar. No recurso com 151 páginas, em que pediam a absolvição ou a redução e suspensão da pena, os advogados apontavam também nulidades e inconstitucionalidades que teriam ocorrido na fase do inquérito, no julgamento e até na elaboração do acórdão.
A defesa pedia ainda que fosse declarada a falsidade das actas do julgamento por não referirem as saídas frequentes da sala de audiências de um dos três juízes do colectivo . Por outro lado, alegavam que a prova produzida em julgamento estava “contaminada” uma vez que, garantiam, as testemunhas na sala de espera ouviam tudo o que se passava na sala de audiências antes de testemunharem.