Já lá queria ter ido há algum tempo. Assim como quero ir a Cuba, à Turquia e ao Brasil. Decidi-me de uma vez por todas a cumprir desejos. Marrocos foi o primeiro.
Aterrei tensa ao fim da tarde. Os meus amigos já lá estavam. Éramos quatro. Dois rapazes e duas raparigas. A viagem em modo longitudinal foi sendo mal alinhavada entre fins de tarde desencontrados. Valeram-nos alguns erros, pouca discussão, alguma intensidade.
Começámos por Fez e em Fez passeei com medo. De me perder ou de perder algo. Por fora amarelada, Fez é, nas entranhas, a cidade branca de corredores labirínticos povoados por pessoas de vida real, burros, machos, mulas e mil e um gatinhos. Os turistas cruzam-se às pingas. Tudo é feito em árabe e fiquei por isso à margem deste mundo pouco interessado nos de fora. Lembram os parisienses. Fez pertence às suas gentes.
Ainda em receio parti para sul. Em quatro dias fui papa quilómetros. Galguei o deserto. Passei por vales verdíssimos e por planícies e planaltos de terra estéril. Subi e desci o Altas. O chão vermelho foi-me acompanhando ao longo das horas. Vieram-me à cabeça os retornados. Deve ser esta a cor da terra de que nunca se esquecem. E continuei pelo Altas. Visitei em modo rápido terras e vilarejos. Em quase todos, uma e outra vez, os mesmos gatos de dentes de leite, os burros e os carrinhos de mão, e as tajines de frango, de legumes, de carne de vaca com ameixas, e os couscous de franco ou de legumes e sempre de entrada as saladas variadas. Beringela, couve-flor e lentilhas cozinhadas a cominhos.
E finalmente, mais tarde do que pensava, senti-me inserida. E foi já neste modo descomprometido que assentei arraiais em Marraquexe. Se Fez pertence ao povo, Marraquexe foi colonizada por turistas. E se Fez era branco, Marraquexe é salmão. A vida palpita e é mutante nesta cidade imperial. Um mundo que aqui acorda tarde e onde o chamamento não é para todos. Os botecos abrem depois das nove, descansam no repasto e só lá para as dez fecham o ferrolho. O sol não tem piedade. O calor tórrido e seco das doze esvazia a cidade. Mas a noite traz outra vida. A magia da praça é a alma deste lugar. Vêm macacos e aves de rapina, cobras, turistas e mil crianças. E há mosquitada à volta dos candeeiros. Há bruxaria, doces de amêndoa, e espetadas de carneiro. Vendem-se carteiras de pele e pulseiras de prata e em género não feminino ginga-se o ventre. Joga-se golf e anda-se à pesca de refrigerantes em modo de argola. A vida faz sentido, à noite, na praça. Um dia espero voltar. Mas antes vou cumprir desejos: Cuba, Turquia e Brasil. E então depois, Marrocos, de novo e com tempo.