A “geração curtas” está em crise?

Primeiras sessões nacionais do Curtas Vila do Conde desenham o momento de crise do cinema português, com uma grande curta pelo meio: Coro dos Amantes

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Coro dos Amantes de Tiago Guedes

Políticas de incentivo que, como todos sabemos, têm gradualmente vindo a ser esvaziadas ou mesmo abandonadas – mas que não explicam, por si só, a sensação de “esvaziamento”, de crise criativa da produção nacional de curta-metragem que o festival tem vindo a mostrar ao longo dos últimos anos.

A exibição da “colheita” 2014 vai agora a meio, com duas sessões de Panorama Nacional (obras estreadas noutros festivais) e uma de Competição Nacional (inéditos em estreia absoluta; haverá ainda mais três programas competitivos). O quadro está longe de ser memorável. As curtas mostradas este ano nos grandes festivais internacionais, As Rosas Brancas de Diogo Costa Amarante (Berlim) e Boa Noite Cinderela de Carlos Conceição (Cannes), são pequenas decepções. A primeira é um exercício delicado e oblíquo, mas obscuro e difuso, sobre a perda; a segunda um simpático exercício de iconoclastia pop cujo potencial de irrisão (o príncipe encantado é um fetichista mais interessado no sapato que na Cinderela) é desbaratado numa languidez afectada.

Ambos têm os problemas de duração excessiva que parecem ser comum a muitas curtas portuguesas. O exemplo mais gritante são os 45 minutos de Bicicleta (Panorama), que Luís Vieira Campos dirigiu sobre guião de Valter Hugo Mãe. Exercício de neo-realismo serôdio cuja belíssima fotografia a preto e branco (Manuel Pinto Barros) não consegue mascarar a indefinição entre documentário sobre a decadência do Bairro do Aleixo e drama histriónico à antiga italiana, ora parece uma curta que queria ser longa ora uma longa que queria ser curta. Mas mesmo em durações mais pequenas o problema se sente. Hospedaria (Competição), de Pedro Neves, é uma boa ideia - imagens de um albergue abandonado no Porto, com uma pista sonora em pós-produção que “inventa” as histórias que se terão ali vivido – que já não tem mais para onde ir a partir de meio.

Sobra uma grande curta no cruzamento exacto de tema, estética e duração. Estreada no IndieLisboa, Coro dos Amantes de Tiago Guedes (Panorama), baseado num texto de Tiago Rodrigues, usa com suprema inteligência a técnica do split-screen para contar com elegância e emoção três tempos de uma história de amor ameaçado pela doença, visto em simultâneo por ela (Isabel Abreu) e por ele (Gonçalo Waddington). Mesmo que seja cedo para tirar conclusões definitivas sobre uma competição que ainda falta ver na sua maioria, esta pequena pérola mereceria estar a concurso, porque curtas deste calibre não aparecem todos os dias.

Crítico de cinema

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