Um guião para resolver o problema da dívida
Relatório com as propostas de Ricardo Cabral, Francisco Louçã, Eugénia Pires e Pedro Nuno Santos será apresentado na quinta-feira.
Ao longo de 71 páginas, o relatório subscrito por estes quatro economistas expõe um “roteiro prático” para reduzir a dívida externa portuguesa, “garantir o autofinanciamento futuro da economia nacional”, baixar a dívida pública e lidar com o peso dos passivos bancários. Isto, porque, garantem, “a actual estratégia da troika de resposta à crise, baseada num longo processo de ajustamento com uma estrutura produtiva em degradação, não é uma opção plausível.”
“Este programa não solicita um “perdão” da dívida, antes leva a uma negociação com os credores defendendo os interesses de um Estado que recupera a sua soberania”, defendem os autores. Por isso, o método proposto não passa por um haircut, que “anule” uma parte da dívida, mas antes por “uma combinação de um adiamento da amortização da dívida com uma redução mais substancial dos juros”. Isto é: mais tempo para pagar e juros mais baixos.
Concretamente, a proposta defende novas maturidades a acordar com os credores e novos “cupões” (juros) de 1%, com um ano de “período de carência”, no arranque, que os autores defendem que seja já o próximo, 2015.
Esta proposta – que o PÚBLICO divulga em primeira mão e que será apresentada na quinta-feira – surge no preciso momento em que a discussão sobre reestruturação da dívida ganha apoios, em Portugal e na Europa. Ricardo Cabral, professor de Economia na Universidade da Madeira, adianta que existe “um movimento crescente de intelectuais e académicos” que defendem este caminho. Além do “Manifesto dos 74” que, em Março, reuniu o apoio de personalidades de todos os quadrantes – reunidas por João Cravinho – em torno desta ideia, também um grupo (simbólico) de 74 economistas estrangeiros subscreveu o apelo à reestruturação da dívida portuguesa.
Na passada quinta-feira, na reunião do Conselho de Estado, os ex-Presidentes da República Ramalho Eanes e Jorge Sampaio juntaram-se a Manuel Alegre, António José Seguro e Bagão Félix na defesa desta forma de encarar o problema.
Até na Alemanha, o tema ganha adeptos insuspeitos. Hans-Werner Sinn, professor de Economia na Universidade de Berlim e presidente do influente think-tank IFo (Information und Forschung) defendeu que a reestruturação das dívidas dos países da periferia da Europa tem de ser encarada: “Não é agradável para um credor reconhecer que não vai receber o seu dinheiro de volta, mas, quanto mais cedo encarar a verdade, melhor”, afirmou Sinn, citado pela Bloomberg. Recorde-se que Sinn é um dos mais reconhecidos economistas alemães e lançou, no passado, duras críticas a Angela Merkel pelos “resgates” aos países sobre-endividados. Hoje, Sinn reconhece que há um problema: “As famílias e as empresas estão sobre-endividadas, os bancos estão sobre-endividados, os estados estão sobre-endividados, e os bancos centrais estão sobre-endividados”. Sinn mostra-se preocupado com o peso da dívida nas economias do Sul e defende, por isso, “uma conferência europeia sobre dívida”, que reúna credores e devedores, para se chegar a um acordo quanto a um “alívio parcial”.
Outro economista conservador, Kenneth Rogoff, defendeu nesta terça-feira, num artigo de opinião, que para o problema europeu “é difícil antever um desfecho que não passe por uma significativa reestruturação da dívida”. “A incapacidade dos políticos europeus para contemplar este cenário está a colocar sobre o Banco Central Europeu um fardo enorme”, aponta Rogoff, antes de concluir: “É tempo para uma negociação sobre alívios de dívida em toda a periferia da zona euro.”
A proposta que o PÚBLICO agora revela não contempla, como referido, a hipótese de um “perdão” tradicional. Francisco Louçã, um dos autores, explica que a opção estudada é “aquela que reúne maior consenso, e passa por uma reestruturação de juros e maturidades”. Ou seja, a dívida mantém o seu valor “facial” e os credores serão reembolsados da totalidade dos empréstimos. É uma solução “inovadora”, garante Ricardo Cabral. E que teve em conta as várias experiências do passado, remoto e recente. Eugénia Pires, especialista em dívida pública, é outra das autoras. E salienta a importância de aparentes detalhes para que uma futura reestruturação não venha a esbarrar em complicados problemas jurídicos como acontece, ainda hoje, com a Argentina: “Não se deve emitir dívida regida por lei e foro estrangeiro, como o caso do eurobond em dólares lançado na semana passada [pelo IGCP]. É uma medida de precaução”, defende.
Além da reestruturação da dívida externa – e não só da dívida pública – os autores defendem, também, uma “reestruturação da dívida bancária” que corte mais de 100 mil milhões de euros aos passivos dos bancos nacionais, gerando, com isso, uma “redução da dívida externa” e “protegendo a solvabilidade do sistema bancário”.
Ricardo Cabral assegura que estas são as duas alavancas – dívida e passivos bancários - que podem mover o país, em direcção à “auto-suficiência”. “Mexendo em duas coisas, de forma eficaz, conseguimos resolver 80% do problema”, garante. Francisco Louçã sublinha a necessidade de actuar perante a “evidente crise sistémica da banca e dos grupos financeiros”. “Para garantir a sustentabilidade da economia a médio prazo é necessário um sistema financeiro credível”, acrescenta.
Apesar do grau de “detalhe”, Louçã e Cabral referem que esta é uma proposta “para debate”. Pedro Nuno Santos, um destacado dirigente do PS, subscreve este texto. O que pode garantir, desde já, que este seja um ponto de partida para a abordagem socialista ao complexo problema da renegociação da dívida.