Tó Trips abre uma porta para África

O guitarrista dos Dead Combo apresenta esta sexta-feira à noite, em concerto na ZdB, os temas do seu segundo álbum a solo, Guitarra Makaka

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Tó Trips

E a solução que encontrou foi alterar a sua afinação para que ambos os instrumentos ficassem com uma escala coincidente. Depois, explorando a sonoridade do dobro (uma guitarra de caixa metálica) em casa, solitariamente, percebeu que nessa afinação os dedos funcionavam como palavra-passe para uma sonoridade africana nova para si. Foi assim que nasceram os temas para Guitarra Makaka – Danças a Um Deus Desconhecido, que Tó Trips apresenta esta sexta-feira pela primeira vez na Galeria Zé dos Bois, em Lisboa, às 22h00. Para ajudar na criação de um universo temático, Tó Trips imaginou-se na pele de alguém que, acidentalmente, se via surgido num exótico cenário de flora frondosa e encontrava um dobro com uma afinação que não podia alterar. Para registar as composições criadas nessa situação, tinha apenas um telefone.

Por isso, Guitarra Makaka esteve para ser gravado inteiramente no seu telefone, onde Trips foi registando a evolução dos temas, a fim de conservar “um lado bastante primitivo”. Esse travo primitivo era-lhe igualmente sugerido pela tal queda para os sons africanos, como se as suas invenções soassem a coros tribais. Ao mesmo tempo, ao olhar para os dedos sempre a saltar nas cordas, numa agitação constante, como se trepassem árvores ou saltassem de galho em galho, lembrou-se de macacos. E pôs-se a investigar os primatas como deuses em culturas longínquas, como símbolos de importância astrológica e até a escarafunchar histórias sobre a suspeita de que o ébola poderia ser proveniente dos macacos – com a contaminação humana a acontecer através de ingestão de animais portadores do vírus por tribos africanas. Nada disto está directamente plasmado nas dez novas composições de Tó Trips. Mas são elementos dispersos que ajudam a fornecer um mapa mental que as mãos tentam depois seguir na guitarra.

Um curioso

Tudo se prende, na verdade, com o facto de o músico se definir como um “curioso” e sentir desde sempre atracção pelo desconhecido. “Quando andava no liceu até queria ser investigador, cientista”, recorda. “Aquilo de que mais gosto na música é o momento da descoberta.” Tó escreveu, inclusivamente, uma pequena história na qual relata que “perto das montanhas das flores e das frutas, os macacos passaram a ser homens e tocam guitarras makakas cheias de ritmo em abundância”. Faz parte de uma técnica a que se habituou nos tempos em que trabalhava em publicidade: ao rodear-se de estímulos concretos, fabricou uma África por si fantasiada, excessiva, saturando os códigos do exotismo para olhos e ouvidos ocidentais. Por isso, resgata também uma ilustração do pintor simbolista francês Gustave Moreau, em que põe mulheres com ar “de Vénus de Boticelli” ao lado de “uns bichos exóticos”, vincando a deturpação europeia. A mesma deturpação de quem, como o músico, nunca assistiu a rituais de música africana, mas viu filmes suficientes para poder discursar musicalmente sobre essa experiência indirecta.

Mas não há apenas uma (re)descoberta de África nas cordas do dobro de Tó Trips. Há igualmente uma sugestão da guitarra portuguesa, e um entendimento perfeito entre os dois mundos, como se o guitarrista oscilasse entre um Ali Farka Touré mais frenético e um Carlos Paredes menos erudito. “Não sei muito bem de onde vem isto nem que estilo é”, reconhece Tó Trips. “É por isso que lhe chamo também Danças a Um Deus Desconhecido.” Relativamente ao seu anterior disco a solo, Guitarra 66, Tó Trips separa as águas atribuindo a esse registo de 2009 um fundo mais pessoal e “mais uma onda romântica”, marcado por viagens. Em Guitarra Makaka, os ecos da realidade escasseiam muito mais, imperando uma construção musical desenvolvida quase enquanto ficção.

Guitarra Makaka, a registar em definitivo daqui por alguns meses, chega-nos agora num primeiro contacto ao vivo. E não deixa de fazer sentido que assim seja, uma vez que o carácter rítmico desta música e a ideia de uma circularidade pedida de empréstimo a rituais tribais, assentes numa repetição sem fim definido, rimam com a abordagem instrumentista de Tó Trips. Para cada tema, o músico tem frases definidas que, de modo muito natural, colam umas nas outras, podendo distender até ao infinito cada uma dessas ideias. Até porque é a partir desses remoinhos de notas que o guitarrista vai descobrindo novas pontas soltas que fazem crescer temas como Migratória, Dança a Um Deus Desconhecido ou First God. O tempo do concerto desta sexta-feira dependerá, por isso, do instante em que Tó Trips consiga soltar-se do vórtice em que voluntariamente se colocará. Só quando se vir cuspido do seu interior a noite terá fim.

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