Que bonita é a juventude de Duquesa

Nuno Rodrigues é o vocalista dos rock’n’rollers Glockenwise. Agora descobrimo-lo como uma admirável compositor pop. Venha o Verão que chegou Duquesa.

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Os Glockenwise têm Nuno Rodrigues como o vocalista e guitarrista que os apresentou assim no palco do Primavera Sound, no Porto, o ano passado: “Hello, our name is Xutos & Pontapés, an historic portuguese band, and we’re here to present one of our great albums, ‘Circo de Feras’” – e depois o público estrangeiro fica a olhar para o público português que ri do humor pop imaculado antes de abanar a anca e agitar o pescoço enquanto eles gritam, estridentes em voz e electricidade, “Can’t come down, cause I think it’s time to go”.

Há uns meses, vimos os Glockenwise noutro cenário. Um bar em Ponta Delgada, integrados no festival Tremor. O palco era mais pequeno, o ambiente idem. A energia, a de sempre. Horas antes, víramos Nuno Rodrigues, sozinho, a cantar sobre partilhar gelados com a namorada no Verão ou sobre como o resto do mundo o pode achar um idiota mas ela não (“cause you know, that I’m crazy for you”). Ali, Nuno Rodrigues não era vocalista dos Glockenwise. Ali, Nuno era Duquesa, o nome que arranjou para si quando começou a coleccionar canções que não cabiam na sua banda.

Promessa imensa

Duquesa apresenta-se agora em disco homónimo editado pela NOS Discos. Seis canções. Nada mais que seis canções, mas que guardam em si uma promessa imensa: temos aqui um compositor e cantor pop de corpo inteiro e, rodado “Duquesa” uma e outra vez, ficamos deliciados com o poder de concisão e com o bom gosto da produção - e antecipamos um futuro muitíssimo radioso quando nos deparamos com essa Ice cream de baixo gingão e refrão capaz de deixar Ray Davies e Mac DeMarco pelo beicinho. Duquesa, então. A história de um acaso feliz. Mas vamos por partes. Primeiro a obra.

“As canções surgem da mesma maneira que em Glockenwise. Estou sentado em casa com a guitarra, começa a surgir uma melodia e parto daí. Há um grande lapso temporal entre as várias canções [de Duquesa]. A True, por exemplo, já surgiu há um ano e meio”. Nuno podia tê-las vertido para a sua banda, mas havia nelas algo que pedia outra abordagem. “[Nos Glockenwise] perderiam a sonoridade inocente, mais limpa e juvenil que têm. Ou melhor, seria ainda juvenil, mas de uma forma completamente diferente”. Reunida meia dúzia de canções, mostrou-as a João Brandão, dos Estúdios Sá da Bandeira, no Porto, e ficou decidido que não havia tempo a perder.

Rodeado por músicos como Cláudio Tavares, baterista de serviço, André Simão, homem do baixo ou João Rafael Martins, Rafa, guitarrista dos Glockenwise que surgiu para aconselhar o companheiro de banda, Duquesa começou a ganhar corpo com o espírito animado por várias manifestações de bem-vindo classicismo pop. Diz ele: “Quando há uma pianada à McCartney, ela surge porque a música pedia isso e porque me fartei de o ouvir”. Acrescenta: “curiosamente não há muito [George] Harrison e pensei que ia haver mais, até porque o All Things Must Pass já perdeu a cor nas minhas mãos”. Recorda: “o reverb [o eco aplicado à sua voz] é um efeito totalmente clássico que confere uma qualidade celestial, uma ideia de grandeza e uma aura diferente à música” – assim o ouvimos em “Duquesa”.

Como resultado ouvimos canções solares e de coração aberto perante as maravilhas simples da vida - depois, o talento para agarrar uma melodia com voz dolente, guitarra certeira e o tal piano à McCartney torna as maravilhas simples em algo grandioso (eis a magia da pop). “Escrever canções é tão fácil quanto desafiante”, diz. “Tão fácil porque as melodias que te surgem na cabeça parecem imediatamente catchy, mas encontrar depois soluções para as concretizar é muito mais difícil”. Essa parte corresponde ao labor criativo. A outra, a identidade desta música, essa parece pré-definida.

Duquesa é Nuno Rodrigues e é Nuno Rodrigues que encontramos nestas canções. “Sou fã da honestidade crua e de falar de coisas mundanas, quotidianas. Antes achava que isso era mais especial do que é. No fundo, é só um recurso, como o é música ou literatura mais fora do normal – que eu também gosto de ouvir e de ler”. Também é assim nos Glockenwise, assinala. Com uma diferença. “Nos Glockenwise tento encontrar mais lugares comuns e falo daquilo que experienciámos juntos. Aqui é muito mais pessoal. De qualquer modo, as pessoas podem identificar-se porque a experiência humana é na verdade muito limitada e toda a gente gosta de viver essas coisas simples que são passear ou namorar”. Sim, todos gostamos. E, sim, não é difícil identificarmo-nos com a gentileza eléctrica desta música – Douchebag, por exemplo, tem uma aura intemporal e podia ter sido escrita por um Buddy Holly em modo auto-depreciativo.

Não é difícil identificarmo-nos com esta música, repetimos, mesmo sendo o disco atravessado por uma marcada autobiografia. Termina com Abade Nation, ode à freguesia de Abade do Neiva (“uma imensidão de verde, reduto rural onde nasceu Duquesa”), e tem a antecedê-la Boy, um instrumental ao piano que tem aquele título porque quando Nuno Rodrigues se preparava para gravar a sua voz, chegou um telefonema a anunciar o nascimento do primeiro sobrinho. Foram-se as vozes - e a canção “ficou assim, recém-nascida”.

Sabemos de onde veio Duquesa, não sabíamos é que dele nasceria música assim. Mas… Duquesa? Ele? A contradição de género é explicada por várias razões. Por ser um título nobiliáquico e Nuno Rodrigues, apesar “de ser de uma família totalmente republicana”, partilha com a avó “o gosto pela fofoca monárquica”: “como os duques são o título mais alto a seguir à realeza, achei que não merecia menos. Como sou um rapaz esguio e andrógino, Duquesa não fica mal”. Além disso, o nome no feminino protege. “Evita que gozem comigo. Se fosse Duque, podiam fazer a piada ‘olha, lá vem a Duquesa’. Assim já sou Duquesa. Ganhei”. Ganhou. Pelo nome, provavelmente. Pela música, com toda a certeza.

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