Muito se tem falado na “reforma do Estado”. Pouco se tem falado, no entanto, daquilo que uma “reforma do Estado” deve conter, dos seus pressupostos, e daquilo que deve significar. O resultado, tal como o documento sobre a reforma do Estado apresentado pelo Governo, tem sido insuficientemente esclarecedor.
Ao falar-se de “reforma do Estado” é preciso começar por definir aquilo que se considera que deve ser o Estado a garantir e aquilo que poderão ser entidades privadas a garantir. Depois, deve definir-se qual a forma mais eficiente para o Estado cumprir com aquilo a que se propõe, partindo da realidade inescapável de que os recursos são finitos. E depois é preciso ver aquilo que o Estado já faz e como o faz, de forma a aproximar o que já existe dos objectivos pretendidos.
Importa olhar não apenas para o Estado central mas também para as autarquias locais e para as regiões autónomas. Importa perceber se o Estado central deve fazer tudo o que agora faz ou se devem ser as regiões autónomas ou as autarquias locais a assumir essas responsabilidades. Pode, a este propósito, repensar-se o modelo de financiamento local. E mais: a reforma do Estado deve incluir uma reforma do sistema político, tornando-o mais aberto e mais transparente.
A reforma do Estado pode significar extinguir órgãos mas também pode significar criá-los. Pode significar transferir competências de um lado para outro. Pode significar realocar pessoal de umas áreas para outras. Pode significar despedir em algumas áreas e contratar noutras. Tudo isto sustentado em estudos credíveis sobre a melhor forma de afectar recursos, incluindo fazendo “benchmarking” internacional, aprendendo com boas práticas que seja possível transplantar para Portugal. Deve ouvir-se a sociedade civil e o debate deve ser transparente e aberto.
Uma reforma do Estado substancial implicará alterações legais relevantes e custo de transição no curto prazo. Importa para a sua credibilidade a longo prazo que reúna um nível de apoio relevante e seja um compromisso abrangente. Esse compromisso abrangente traduzir-se-ia num novo pacto de regime, que, por sua vez, seria a base para uma profunda revisão constitucional – senão mesmo para uma nova constituição. Assim se conseguiria a solenidade e estabilidade necessárias para o pacto ser credível.
O Presidente da República tem repetidamente pedido um acordo entre os partidos do arco da governação. Tenho dúvidas que o resultado final que eu gostaria de ver seja igual — ou sequer parecido — com o resultado ideal para o Presidente da República. Mas se queremos resolver parte dos nossos problemas, em especial institucionais e mesmo de competitividade, não será possível fazê-lo apenas com competição. Precisamos de saber negociar e cooperar, sem deixar de competir, de forma a preparar novas regras para o Estado e, em geral, para a nossa democracia.
Infelizmente, nada indica que este debate vá ou esteja, verdadeiramente, a ter lugar.