Ex-Presidente francês Nicolas Sarkozy detido para interrogatório

Acção sem precedentes visa determinar se o antigo Presidente francês tentou obter acesso a informação sobre uma investigação judicial relativa a financiamento de campanha.

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Sarkozy pode estar sob custódia policial um total de 48 horas Lionel Bonaventure/Reuters

Sarkozy, 59 anos, compareceu perante os investigadores em Nanterre, perto de Paris, para o interrogatório desta terça-feira pelas 8h de Paris (menos uma hora em Lisboa), e ficou sob custódia judicial. Pela lei, pode ficar detido para interrogatório por um período de 24 horas com uma possível extensão por mais um dia. No entanto, ninguém espera que durma na prisão – os investigadores deverão suspender a medida para que passe a noite em casa.

No dia anterior, o advogado do antigo Presidente, Thierry Herzog, e dois altos magistrados foram também detidos e interrogados por suspeitas de tráfico de influência e violação do segredo de justiça, segundo a agência francesa AFP. Estes continuaram detidos.

A investigação começou no início do ano passado, quando foram ordenadas escutas a Sarkozy no âmbito do caso de suspeitas de financiamento ilegal de 50 milhões de euros para a campanha presidencial de 2007 pelo então ditador líbio, Muammar Khadafi. Estas escutas já foram um passo inédito contra um antigo Presidente.

Os investigadores aperceberam-se então de que Sarkozy tinha informações sobre o processo líbio (que ainda decorre) e ainda sobre outro caso de possíveis irregularidades, de verbas dadas ao seu partido pela herdeira da L’Oréal, Liliane Bettencourt (caso entretanto encerrado com Sarkozy ilibado). O jornal Le Monde diz que, nas conversas escutadas, Sarkozy se refere mesmo a alguém bem colocado que lhe daria informações no âmbito do processo líbio.

Suspeita-se de que Sarkozy tenha sido alertado para o facto de o seu telefone estar sob escuta. O ex-Presidente e o seu advogado compraram discretamente telefones sob nomes falsos (Sarkozy era Paul Bismuth), através dos quais terão chegado a combinar conversas para terem no telefone que sabiam ser escutado.

Sarkozy, pensam ainda os investigadores, terá ainda prometido um cargo de prestígio no Mónaco a um dos altos magistrados agora interrogados, Gilbert Azibert, em troca de informação sobre o caso Bettencourt.

A investigação deverá ainda esclarecer outra suspeita, de que Azibert teria não só passado informação como teria tentado beneficiar o ex-Presidente numa decisão sobre se a manutenção nas mãos da Justiça das agendas de Sarkozy investigadas no âmbito do caso Bettencourt era ilegal por contrariar a imunidade presidencial (que se mantém para acções levadas a cabo durante a presidência, mesmo que o Presidente já não tenha o cargo). As agendas seriam úteis nos casos do alegado financiamento líbio e ainda num outro envolvendo o empresário Bernard Tapie e a então ministra das Finanças, agora directora do FMI, Christine Lagarde.

A Justiça acabou no entanto por decidir, contra a opinião de Azibert, que as agendas poderiam ser usadas nos outros processos.

Recentemente abriu mais uma investigação ao antigo Presidente, esta sobre alegadas irregularidades no financiamento da sua campanha eleitoral de 2012, em que foi derrotado pelo actual Presidente, François Hollande.

Apesar de vários políticos franceses se terem envolvido em casos de corrupção e utilização ilícita de verbas, a imprensa francesa nota que é a primeira vez que um antigo Presidente está sob custódia policial, ainda que apenas para ser interrogado – tal como não se sabe de nenhum caso de escutas telefónicas feitas a um antigo Presidente (a instituição é reverenciada e a imunidade presidencial é forte). Jacques Chirac, por exemplo, chegou a ser condenado já depois de deixar a Presidência da República, por um escândalo de corrupção enquanto era presidente da câmara de Paris. A pena de prisão de 2011 foi suspensa e Chirac nunca chegou a ser detido.

Tudo isto acontece quando Sarkozy, que foi Presidente de 2007 a 2012, se prepararia para voltar à liderança do seu partido UMP (conservador) em Outubro e concorrer de novo à presidência em 2017, com sondagens a mostrar que é mais popular do que Hollande. Isto leva os seus apoiantes a dizer que a campanha é motivada politicamente. Christian Estrosi, presidente da câmara de Nice, escreveu na sua conta do Twitter: “Nunca nenhum antigo Presidente foi vítima de tal tratamento, de tanto ódio.”

O escândalo também prejudica o partido no Governo. A ministra da Justiça tentou distanciar-se dizendo que nada sabia das escutas, quando se sabe agora que já tinha sido antes informada.  

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