Projecto de arquitectura leva água canalizada a bairro da Costa da Caparica
O tráfico de droga que ali se fazia levou uma grande machadada.
Até ao final do Verão, aquele bairro de génese ilegal estará munido de um “quarteirão” que terá, além de uma cozinha comunitária, “um espaço de comer, uma zona com tanques de lavagem de roupa, chuveiros públicos e uma sede da associação de moradores”.
Para já, no local é visível apenas o ‘esqueleto’ do que será a Cozinha Comunitária das Terras da Costa, um projecto do gabinete de arquitectura ateliermob e do colectivo experimental de arquitectura Projecto Warehouse, pensado e construído em conjunto com os moradores.
O local onde está a ser instalado não foi escolhido ao acaso. “Foi a própria população que nos disse onde é que queria construir”, disse à Lusa Tiago Saraiva, do ateliermob.
Raul Marques, morador no Terras da Costa há 37 anos e elemento da Comissão de Bairro, explica: “Fazia-se aqui tráfico de estupefacientes”.
“No espaço de um ano, acabou-se. Isso foi uma grande vitória de quem aqui mora, porque a maioria não gostava”, contou.
A segunda “grande vitória” será em Julho: a chegada da água canalizada ao bairro, através daquele equipamento comunitário.
O Terras da Costa, com cerca de 500 moradores, cem dos quais crianças, está dividido em dois núcleos, separados por terrenos de cultivo. Os moradores que vivem nas casas mais afastadas da estrada principal têm que percorrer “cerca de um quilómetro e meio” para irem buscar água, contou Raul Marques.
Assim, deixa de ser necessário que os moradores percorram essa distância com os bidões na cabeça ou em carrinhos de mão.
“É uma vitória enorme para a Humanidade”, disse Durval Carvalho, há 14 anos no Terras da Costa e elemento da Comissão de Bairro.
Durval confidenciou que “muitos não acreditavam [que a água chegasse].”
“Eu, como sou muito persistente e um bocadinho louco, fui atrás e nunca achei que podia não ter”, disse. Raul Marques lembra que “Durval andava há uns cinco ou seis anos a tentar levar água para o bairro”.
“Só com a [associação] Fronteiras Urbanas e estes senhores [ateliermob e Projecto Warehouse] é que conseguimos”, afirmou.
Durval Carvalho acredita que a cozinha comunitária poderá ajudar a “deitar abaixo o muro” que separa quem ali vive da civilização.
Questionado sobre se este é um bairro esquecido, Durval ironiza: “Por um lado é muito visível. Para campo de treino de polícia isto é um terreno bom. Para outras instituições não existe”.
Este morador fala numa “indiferença que toca e que não era suposto existir”. “Mas agora está a começar a mudar”, referiu.
Ruben Teodoro, do Projecto Warehouse corrobora: “Esta população sofria de uma marginalização e de uma invisibilidade totais”.
Talvez por isso, quando chegaram ao bairro, foram recebidos “com muita desconfiança”.
“[Os moradores] pensaram logo que isto não ia dar em nada, e agora está a ver-se que tem pernas para andar e estão contentes”, disse Durval Carvalho.
Foi quando os ‘ideólogos’ deitaram mãos à obra que a aproximação com os moradores começou a acontecer.
“A nossa forma de começar a interagir foi através da prática. Viemos com ferramentas para começar a limpar o terreno e isso funcionou bem na interacção com a comunidade, que percebeu que estávamos a fazer alguma coisa”, relatou Ruben Teodoro.
Entretanto, os responsáveis pelo projecto, adiantou Tiago Saraiva, tiveram a garantia de financiamento por parte da Fundação Calouste Gulbenkian, através do Programa de Desenvolvimento Humano.
Com esse financiamento será construído o “quarteirão”, que inclui a cozinha comunitária. Além disso, o projecto conta com o apoio da Câmara Municipal de Almada, “para fazer chegar a água à cozinha, e também para desenvolver uma série de espaços, sobretudo relacionados com as crianças, que serão o que vai puxar para aqui grande parte da população”.