O punho de Soares e os temas sociais de Ferro, no dia em que Costa mostrou a sua agenda
António Costa fez uma defesa cerrada do sistema eleitoral proporcional, contra a proposta de Seguro. O Tivoli, em Lisboa, encheu-se para apoiar a sua candidatura à liderança do PS. Mário Soares e Ferro Rodrigues prevêem a sua vitória, no partido e no país.
Costa subiu ao palco depois de Ferro e Soares. E olhando para a plateia falou na "grande maioria do contra" que hoje existe no País. "Basta, é preciso pôr termo a esta política. Acabar com a dúvida permanente sobre qual é o imposto que amanhã vai subir, ou qualé o salário que amanhã vai ser cortado."
Depois das críticas ao Governo, Costa falou para o seu partido. A crítica à proposta do secretário-geral, António José Seguro, de reduzir 50 deputados aos actuais 230, foi a mais forte. Costa lembrou "os princípios do PS" para rejeitar uma reforma que tente "ganhar na secretaria" a força que não consegue nas urnas.
Rejeitando qualquer compromisso com os actuais partidos no Governo, Costa admite que "o país precisa de um diálogo alargado à esquerda". Porém... Lembrando que nunca fechou "essa porta", Costa avisou que os outros partidos de esquerda não costumam estar disponíveis "para entrar, nem com a porta aberta". "Só com um PS forte", frisou, é que esse diálogo será possível.
Minutos antes, Ferro Rodrigues pedira um novo Governo, "com uma ampla base social e política". "Esse Governo deve ultrapassar as fronteiras do PS e ter o PS por motor." O antigo secretário-geral, que liderou o partido entre 2001 e 2004, elogiou a "coragem" de Costa e defendeu as bandeiras sociais do partido. No final, guardou um recado para António José Seguro. "É compreensível a mágoa do secretário-geral. Eu não sei como reagiria. Mas faria tudo para que a crise interna fosse resolvida o mais depressa possível."
Mário Soares, que fez a intervenção mais breve, recordou os símbolos e a memória afectiva do partido. "Há muito tempo que não via assim o punho erguido..." Falando da palavra "camarada", Soares deixou críticas a Seguro. E usou um eufemismo que pôs a sala a rir com gargalhadas: " Foi-me dada a possibilidade de ter tido alguma importância no PS." E pediu que a possibilidade de ser secretário-geral fosse dada, também, a Costa.
Este, que trazia uma "agenda" programática, para "dez anos" repetiu, pela segunda vez no mesmo dia, o que conta propor ao país.
Almoço num American Club "very excited"
A primeira foi durante um almoço, no Hotel Sheraton, promovido pelo American Club. Passavam três minutos das duas e meia da tarde e os 110 convidados, sentados em 11 grandes mesas redondas no Hotel Sheraton, em Lisboa, acabavam o prato principal e esperavam pela sobremesa. Anne Taylor, a sorridente anfitriã do American Club, sobe ao palanque e toca um sino. É a hora de apresentar o convidado.
António Costa conhece o ritual. Já ali esteve. Nunca disse nada de tão memorável, como aquela frase sobre a suspensão da democracia por seis meses, que perseguirá Manuela Ferreira Leite. Mas há uma clara simpatia do clube que promove estes almoços pelo presidente da Câmara de Lisboa. Um político que “consegue compromissos” e “realiza coisas com um orçamento limitado”, assim foi descrito. Quando soube que Costa estava disponível para a “política nacional”, lembrou Taylor, houve mais do que simpatia: “You bet we were excited!” (Podem crer que ficámos entusiasmados!)
Costa levava um plano para “desbloquear a situação de impasse” do país. Uma “agenda para a década”, em quatro pontos, que pode “gerar compromissos políticos”.
O primeiro ponto, na lista do candidato, é “avaliar o recursos” nacionais - em que inclui a língua, o território e a capacidade de ir “além da Europa”. O segundo ponto da sua agenda é a “modernização do tecido empresarial e da administração pública”, no qual defende a especialização e a inovação, em paralelo com a desburocratização do Estado, porque, garante, “não há futuro baseado numa estratégia de empobrecimento e de perda de direitos”. O terceiro ponto é o “investimento na ciência, na cultura e na educação”, as condições para haver “uma sociedade do conhecimento”. O quarto, e último, ponto é o “reforço da coesão social”, por forma a “travar e inverter o aumento das desigualdades”. Para isso, Costa promete “mobilizar o esforço de concertação social”.
Esse é o projecto que defende, “fora do período do curto prazo”. E para já? Bom, aí o candidato socorre-se de uma metáfora. O país passou por um “trauma”, como costumam ser as cirurgias. “O processo de ajustamento causou danos sociais e económicos”, sustenta. Por isso, “precisamos de um programa de fisioterapia”.
Na Europa, a fisioterapia promete ser longa e difícil: “É evidente que numa negociação a 28 ninguém pode prometer resultados…” Mas Costa elege como prioridade “a correcção das assimetrias geradas pelo euro”.
No plano interno, e já em resposta a um dos convidados do American Club, o candidato coloca uma condição para a existência de compromissos políticos - num recado que parece ir, por inteiro, para o PSD e o CDS: “Só haverá consenso depois de se consumar a ruptura.” E isso passa, reforça, por uma “mudança de processo e de interlocutores”.
Antes, Camilo Lourenço, comentador económico, outro dos convidados para o almoço, lançara aquilo a que chamou “pequena provocação”. Se a margem da hipotética vitória de Costa sobre Seguro for pequena, regressará Sócrates? Costa começou por ignorar a pergunta. Mas no final, Camilo lembrou-o de que não tinha respondido. Costa riu-se. “Não creio que a margem da minha vitória vá ser curta.”