Controlo prévio: despesa pública dispensável

A reforma do Estado terá de passar pela substituição do controlo prévio pelo controlo sucessivo.

Acontece que a estatuição do controlo prévio vinculado à salvaguarda da legalidade ou do interesse público não é privativa do Tribunal Constitucional, mas de uma miríade de órgãos do Estado, da administração central e local, de institutos, autoridades e comissões.

A ponderação desta opção política, pois é disso que se trata, de modo algum tem merecido a atenção que lhe é devida. Se é certo que cumpre ao Estado assegurar a legalidade dos actos praticados e assegurar a realização do interesse público, também não é em grau inferior a garantia e protecção do exercício da liberdade pelos particulares e a promoção do desenvolvimento económico.

Vem isto a propósito da publicação, em 30 de Maio deste ano, da Lei 31/2014, que estabelece as bases gerais da política pública de solos, de ordenamento do território e do urbanismo.

Sem que isto signifique alguma censura à iniciativa legislativa, cumpre desde já referir que esta é mais uma das centenas de leis, normas e regulamentos, que sobre o ordenamento territorial e urbanismo foram publicadas no últimos 20 anos, revogando, alterando, represtinando umas e outras. A produção legislativa nesta área é tão profícua (quase se poderia classificar de alucinada), que nem sequer os especialistas conseguem, as mais das vezes com segurança, saber o que está realmente em vigor.

Esta lei, em especial, tem uma novidade: algo como uma espécie de amnistia urbanística, designada “regularização de operações urbanísticas”. Mais concretamente, estabelece “um procedimento excecional para a regularização de operações urbanísticas realizadas sem o controlo prévio a que estavam sujeitas, bem como para a fiscalização de operações urbanísticas inacabadas ou abandonadas pelos seus promotores”.

Esta norma só vem confirmar, que: a) Não foi por existir controlo prévio que as operações se iniciaram sem o cumprir; b) que foi a crise económica e social – a realidade – que motivou o abandono das obras em curso e não a tutela burocrática; c) que a tutela burocrática – engolindo um sapo vivo – não teve outra alternativa que não fosse amnistiar o transgressor.

Mas, claro há sempre um mas, a regularização das operações não prejudica a aplicação de sanções e de medidas de tutela da legalidade urbanística. Estas exigências, no contexto actual, provavelmente farão com que o efeito deste regime excecional seja meramente residual e não traga nenhuma retoma das operações inacabadas.

Em tudo o mais a lei mantém a regra do controlo prévio da quase totalidade das operações urbanísticas que os interessados pretendam promover.

Neste sentido, claro, a lei estabelece que “a realização de operações urbanísticas depende em regra (sublinhado nosso) de controlo prévio vinculado à salvaguarda dos interesses públicos em presença e à definição estável e inequívoca da situação jurídica dos interessados” e que “quando a salvaguarda dos interesses públicos em causa seja compatível com a existência de um mero controlo sucessivo (veja-se o sentido desdenhoso da inclusão, aliás desnecessária, do termo mero, como algo inferior) a lei pode isentar de controlo prévio a realização de determinadas operações urbanísticas (…). O promotor é, à partida, encarado como um potencial delinquente.

Aceita-se que se não existisse controlo e fiscalização sucessiva, com fortes consequências punitivas para quem incumprir (em vez de amnistias avulsas) então, aí, não estaríamos realmente num Estado de direito. Mas o invés, ou seja, insistir na regra do controlo prévio de tudo e mais alguma coisa, pode conduzir-nos a curto prazo a um Estado de direito economicamente pária.

A reforma do Estado terá de passar – gradualmente, aceita-se – pela substituição do controlo prévio, pelo controlo sucessivo, como regra geral. De facto, a maioria dos eventuais ilícitos ou irregularidades pode ser suprida pela fiscalização sucessiva. Claro que aquilo em que o controlo prévio tem de se aplicar, como seja ao licenciamento dum fármaco novo, não é o mesmo que se aplicaria à alteração do tipo de uso dum imóvel, que, se ilegal, pode ser embargado a qualquer momento, sem que alguém tenha falecido entretanto.

Mas quem se atreve a mexer nisto? Há-de estar para nascer…

Jurista; pós-graduado em Património

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