Atrás dos peixes-lua do Algarve, que gostam de apanhar banhos de sol

Equipa liderada por cientistas portugueses aliou a biologia à robótica marinha para conhecer melhor os hábitos de um peixe carismático e ver como é que as alterações climáticas o estão a afectar.

Fotogaleria
O peixe-lua é facilmente identificável pela ausência de barbatana caudal João Fortuna/Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto
Fotogaleria
O peixe-lua é bastante comum em toda a costa portuguesa DR
Fotogaleria
Fotografia da embarcação usada pelos cientistas tirada com a câmara GoPro DR
Fotogaleria
Veículo autónomo subaquático DR
Fotogaleria
Veículo autónomo de superfície DR
Fotogaleria
Veículo autónomo aéreo DR

Os peixes-lua, ou Mola mola, vivem no Atlântico e Pacífico, nas zonas temperadas e quentes. Em Portugal, são comuns em toda a costa, sobretudo no Algarve. O seu comportamento pode dar indicações sobre as alterações climáticas, uma vez que a sua distribuição e migração são influenciadas pela temperatura da água. Identificam-se facilmente pela ausência de uma barbatana caudal e presença de uma barbatana dorsal e outra anal, que são simétricas.

Neste estudo, que incluiu ainda cientistas norte-americanos, espanhóis e noruegueses, os animais foram observados ao longo da costa de Olhão, durante Maio, para compreender a sua biologia, comportamento e hábitos alimentares (comem zooplâncton gelatinoso e pequenos crustáceos). “Queríamos conhecer melhor o comportamento do peixe-lua e, acima de tudo, através de observações in situ, caracterizar o habitat dos peixes em tempo real”, diz Nuno Queiroz, biólogo no Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (Cibio), no Porto.

Como ao largo de Olhão, a três milhas da costa, há uma rede de captura de atuns, os peixes-lua também acabam por ser apanhados por ela, o que se por um lado pode provocar o declínio das suas populações, por outro facilitou a obtenção de peixes para estudo (apanharam-se os mais pequenos, com 30 ou 40 quilos).

“Apanhávamos os peixes-lua e: ou os colocávamos num tanque em terra e posteriormente eram largados no mar, ou eram logo sinalizados com um marcador GPS”, refere o engenheiro electrotécnico e de computadores João Tasso Sousa, da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, envolvido na parte da robótica marinha do estudo.

Presos aos peixes por um fio, os marcadores ficavam a flutuar e emitiam a sua localização geográfica. “Quando o marcador estava à superfície, começava a emitir a posição GPS via satélite e nós recebíamo-la em terra. Quando os peixes mergulhavam, o marcador desligava-se para não gastar bateria. Basicamente, os peixes fazem este ciclo: vão ao fundo — podem ir até cerca de 600 metros — e depois vêm à superfície.”

Uma espécie-modelo
Apesar de ser um migrador de grande profundidade, também passa longos períodos à superfície. “Por que vêm à superfície? É para regular a temperatura. Colocam-se na horizontal para apanhar banhos de sol”, conta João Tasso Sousa, dizendo que têm dados em eles estavam umas horas à superfície. “Os colegas biólogos queriam saber qual é o comportamento dos peixes: quanto tempo passam à superfície e depois, quando mergulhavam, o que faziam.”

“O objectivo principal era obter, com elevada precisão e em tempo real, a localização dos peixes marcados. E, através de veículos autónomos, obter simultaneamente informação ambiental, como por exemplo a temperatura e a quantidade de potenciais presas”, explica Nuno Queiroz.

“Tal como outros peixes, deslocam-se a distâncias consideráveis e concentram-se em zonas produtivas [com zooplâncton]. É assim uma boa espécie-modelo: ao estudarmos o peixe-lua, podemos inferir características comuns a outras espécies”, conta o investigador do Cibio.

Uma vez recebidos os sinais GPS emitidos pelos marcadores nos 20 peixes-lua, eram accionados, em fases diferentes, três veículos robóticos, que iam ao encontro dos peixes-lua, graças à baixa velocidade com que se movimentam.

Atrás dos peixes, um veículo autónomo subaquático recolhia primeiramente os dados sobre a água, como a salinidade (obtida pela condutividade eléctrica), a temperatura e a pressão (profundidade). De seguida, um pequeno veículo autónomo aéreo fazia a confirmação visual dos peixes, para verificar se estavam realmente no local assinalado pelos receptores GPS. Por fim, um veículo autónomo de superfície recolhia dados oceanográficos, como a temperatura da água, a concentração de clorofila, a direcção e a força das correntes e dos ventos. O uso destas tecnologias, considera João Tasso Sousa, facilita o estudo da dinâmica dos ecossistemas.

“A ideia é tentar relacionar diferenças de temperatura com nutrientes e outros aspectos”, conta João Sousa. “Com uma câmara GoPro que tínhamos num dos veículos, conseguimos identificar, nalgumas zonas, concentrações grandes de zooplâncton.”

A auto-estrada dos peixes
Pela primeira vez, esta experiência permitiu obter a posição de peixes-lua quase minuto a minuto, semelhante ao que já se fez com aves marinhas, só que nesses estudos, como as aves não mergulham a grandes profundidades, os dados podiam ser recolhidos a cada segundo.

Apesar de ainda estarem em análise, os dados já permitem chegar a uma conclusão: “Todos os peixes largados seguiam perpendiculares à costa, naquilo que nós designámos por ‘auto-estrada dos peixes’. E, quando chegavam a uma zona em que a profundidade era de 500 metros, voltavam à esquerda [para o estreito de Gibraltar]”, explica o engenheiro electrotécnico e de computadores. “Andávamos 15 milhas para sul de Olhão e, depois, os peixes espalhavam-se e iam para Espanha. Seguíamo-los com muita precisão no lado português, mas estávamos também a ver o que faziam no lado espanhol”, especifica.

“É de esperar que a distribuição desta espécie sofra alterações significativas à medida que o clima mude. Como é uma espécie-modelo, podemos inferir, por exemplo, que a distribuição de muitas outras espécies marinhas que ocupam zonas semelhantes mude da mesma forma”, explica por sua vez Nuno Queiroz.

No futuro, outros peixes poderão vir a ser seguidos. “Estamos a pensar em missões mais complexas. A ideia é seguir outros tipos de peixe e estudar interacções nessas espécies”, avança João Tasso Sousa.

Para já, o trabalho foi acompanhado de perto por uma escola secundária de Vila do Conde. “Alertar para a conservação de espécies tão carismáticas como o peixe-lua é de extrema importância para a preservação dos oceanos”, considera Nuno Queiroz. “Esta experiência chamou a atenção para o legado marítimo de Portugal e a utilização de tecnologia de ponta, como transmissores de satélite e veículos autónomos, em benefício da ciência e da sociedade.”

Texto editado por Teresa Firmino

Sugerir correcção
Comentar