O Estado não tem regras que fiscalizem as eleições internas no PS
As eleições internas nos partidos são um território sem fiscalização, alegadamente porque não mexem com dinheiro. Irão as primárias do PS inovar também neste domínio?
Nesta fase do processo, questionada pelo PÚBLICO, a responsável pela Entidade das Contas e do Financiamento Partidário, Margarida Salema, afirmou: “A Entidade apenas refere que, se houver contribuições em numerários, as primárias terão de ser fiscalizadas.” E esclareceu ainda que “qualquer verba dada por um cidadão é um donativo, é tratado como tal e tem que estar depositado em conta própria.”
Ao que o PÚBLICO apurou, há várias questões processuais que se colocam. Uma delas é a de saber se as candidaturas deverão ter direito a subvenção pública, uma vez que se destinam às eleições legislativas. Por outro lado, não havendo meios do Estado, coloca-se a questão de saber quais os meios que a direcção do partido vai disponibilizar aos militantes que se candidatem. Tanto mais que é do domínio público que as contas do PS são deficitárias.
A participação de cidadãos que não são militantes também levanta questões relacionadas com a existência de fluxos financeiros. As pessoas que participam a título de simpatizantes do PS terão de pagar alguma jóia para adquirir este estatuto? Ou ficarão em desigualdade de circunstâncias com os militantes que, para votarem em eleições internas, tem de ter as quotas em dia? Ou será que nas primárias os militantes não têm de ter quotas em dia?
Ainda no domínio do financiamento, outra incógnita que se coloca é a de saber se será contemplada directamente a angariação de fundos, ou seja, se haverá aberta e legalmente formas de financiamento. Isto porque as campanhas internas dos partidos não têm, logo não são fiscalizadas pela Entidade das Contas, assim como não o são as eleições dos responsáveis locais dos partidos.
Por exemplo, as directas para secretário-geral ou presidente de partido não têm financiamentos enquadrados na lei. Este tipo de eleições internas nos partidos é, aliás, um dos momentos vulgarmente apontado pelos especialistas em corrupção como actos passíveis de servirem para a entrada de dinheiro ilegalmente nos partidos e para a constituição de sacos azuis.
As regras-chave
Seguro prometeu um regulamento das primárias até ao fim do mês de Junho. Ao PÚBLICO o secretário nacional do PS responsável pela organização do partido, Miguel Laranjeiro, sublinha precisamente a promessa do secretário-geral. “Vai ser tudo definido em documentação própria a aprovar até ao fim do mês em comissão nacional”, garante Laranjeiro, prometendo que “será assegurada a transparência e a legalidade”.
Como que em jeito de aviso às preocupações que podem advir sobre como será fiscalizado o processo, Laranjeiro frisa: “Ainda não sei como será, mas será cumprida a lei, como não podia deixar de ser.” Mas adverte que não sabe ainda se haverá fiscalização pelo Estado: “Não sei dizer se vamos contactar a Entidade das Contas.”
O responsável pela organização do PS sublinha ainda que os socialistas foram “pioneiros na introdução de directas para secretário-geral, com António Guterres, e, também com Guterres, na introdução de critérios de paridade no partido, mesmo antes de a lei ser aprovada”, pelo que considera que “o PS é partido de charneira nestas questões”, que agora avança por novos caminhos no sistema de organização partidária e garante: “Tem que ser visto se há financiamento externo e se a campanha envolve dinheiro”.
Outra dúvida que Laranjeiro não sabe ainda esclarecer é que as candidaturas internas terão mandatários, mas adverte que ele próprio não terá nenhum papel na candidatura de Seguro e se limitará a apoiá-lo. “Eu não estarei com funções na campanha, pois sou responsável pela organização, sou o secretário responsável pela organização, pelo que não acumularei funções.”
Já Ana Catarina Mendonça Mendes, apoiante de António Costa encarregada de acompanhar as questões legais e processuais das primárias, afirma ao PÚBLICO desconhecer ainda os contornos do processo. “Estou à espera que os regulamentos sejam transparentes e claros, designadamente em matéria de financiamento, e qual o enquadramento jurídico que este vai ter”, adianta Ana Catarina Mendonça Mendes, advertindo: “Este regulamento tem de estar de acordo com aquilo que a Entidade das Contas, que é a entidade reguladora, diz. Tem de haver um parecer da Entidade das Contas sobre o processo.”