Bagdad prepara-se para a guerra, Obama pede uma solução política
O Estado Islâmico do Iraque e do Levante, a nova Al-Qaeda, já tomou mais duas cidades iraquianas.
"Os Estados Unidos não irão envolver-se numa acção militar, simplesmente não o farão, sem a existência de um plano político desenhado pelos próprios iraquianos e que nos dê algumas garantias de que eles estão preparados para trabalhar em conjunto", disse o Presidente norte-americano na Casa Branca. Reenviar "tropas americanas de combate" está fora de questão, repetiu, mas os seus conselheiros estão a terminar uma lista de opções "de apoio às forças de segurança iraquianas". Sem pronunciar o nome do primeiro-ministro iraquiano, Nouri al-Maliki, dirigiu-se a ele para sublinhar que "sem um esforço político, qualquer acção militar está votada ao fracasso".
Durante a noite, os radicais islamistas tinham tomado mais duas cidades: Jalawla e Saadiyah, na província de Diyala, na região Leste do país, próxima da capital e da fronteira com o Irão. À semelhança do que aconteceu no Norte, em Mossul e Tikrit, o assalto dos combatentes do ISIS não encontrou resistência nem oposição. Incapazes e receosas de se defenderem, as forças de segurança iraquianas simplesmente abandonaram posições, deixando para trás uniformes e armamento.
Entretanto, o Exército iraquiano recuperou a cidade de Tikrit e o Governo garante que já começou a "varrer algumas cidades de terroristas". As forças curdas reclamaram o controlo da cidade de Kirkuk, um dos mais importantes centros petrolíferos do Iraque – onde a insurreição do ISIS está instalada. Um dos chefes militares das unidades curdas peshmerga, Jabbar Yawar, disse que os seus homens estavam a defender Kirkuk e a apoiar as tropas iraquianas e os civis em fuga, abrindo corredores de acesso a Bagdad através da região semiautónoma do Curdistão. No entanto, os combatentes curdos não previam enfrentar directamente a insurreição dos radicais sunitas: “As nossas posições são de defesa e não temos ordem para avançar para as áreas controladas pelo ISIS”, informou aquele responsável.
A partir de Genebra, o porta-voz da agência das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Rupert Colville, estimou que a ofensiva dos combatentes do ISIS sobre Mossul tenha feito “centenas” de vítimas. As informações avançadas à ONU apontam para uma série de atrocidades, como a execução, em público, no centro da cidade, de 17 civis que trabalhavam com a polícia e um funcionário do tribunal; ou o suicídio de quatro mulheres que foram violadas pelos extremistas.
Colville também deu conta do caos provocado pela libertação dos prisioneiros detidos na cidade, muitos dos quais se encontram agora em missões pessoais de ajustes de contas; e da resposta despropositada das forças do Governo, “que também cometeram excessos”, nomeadamente varrendo áreas civis com fogo de artilharia. Num desses tiroteios, “terão morrido mais de 30 pessoas”, confirmou.
Segundo as autoridades iraquianas, cerca de 300 mil habitantes de Mossul abandonaram a cidade nos últimos dias, engrossando as fileiras de refugiados em fuga da violência sectária no Iraque (e os sírios que, nos últimos anos, fugiram para algumas das mesmas zonas do Iraque). A agência de Refugiados das Nações Unidas referiu a existência de 500 mil desalojados na província de Anbar (a mais ocidental, junto à fronteira com a Síria) e antecipou uma crise humanitária por falta de abrigo, água, alimentos e cuidados médicos.
Os homens do ISIS – um grupo que se formou na coligação da Al-Qaeda, mas acabou por ser renegado pela organização fundada por Osama bin Laden por causa do seu radicalismo – prometem marchar até Bagdad e mais para Sul, “invadindo” as províncias dominadas pela maioria xiita do Iraque, que consideram “infiéis”. Ao seu lado, estarão agora os antigos dirigentes do Partido Baas do antigo Presidente Saddam Hussein, uma aliança que dá forma a uma insurreição sunita de carácter nacional e prenuncia uma nova guerra civil de contornos sectários.
O objectivo do ISIS é a instituição de um emirado islâmico num território contínuo compreendendo a Síria e o Iraque (depois da tomada de Mossul, instaurou a sharia, a lei islâmica). Com uma força de combate entre os 3000 e os 5000 homens, os extremistas têm vindo a conquistar terreno e a reforçar o seu poderio à custa da guerra da Síria. A sua ambiciosa ofensiva no Iraque apanhou o Governo do primeiro-ministro Maliki totalmente de surpresa: o desafio para o líder xiita, acusado pela oposição de descartar os restantes blocos étnicos e religiosos do país, é tremendo.
O Presidente iraniano, Hassan Rouhani, já prometeu ajudar o Governo do país vizinho: “O Irão [de maioria xiita] não vai permitir que os apoiantes do terrorismo ponham em causa a segurança e a estabilidade do Iraque”, garantiu. Citando fontes anónimas do aparelho de segurança iraniano, o The Wall Street Journal escrevia hoje que três batalhões das forças de elite da Guarda Revolucionária que actuam no estrangeiro foram destacados para apoiar o Exército do Iraque. Segundo o diário norte-americano, duas dessas unidades receberam a missão de proteger Bagdad e as cidades mais santas dos xiitas, Kerbala e Najaf.
Os repórteres da BBC dão conta de um ambiente de pânico em antecipação da entrada dos rebeldes em Bagdad. A população segue as movimentações fora da capital ao minuto, e milhares de famílias começam os preparativos para se entrincheirar e resistir por um longo período – já há longas filas em lojas e mercados para o abastecimento de todo o tipo de mantimentos. Ao mesmo tempo, começam a surgir apelos para a constituição de milícias para combater a insurreição sunita.
No seu sermão desta sexta-feira em Kerbala, o xeque Abdulmehdi al-Karbalai, um dos líderes da hierarquia religiosa xiita do Iraque, fez um pedido explícito aos “cidadãos que possam pegar em armas para combater os terroristas, defender o seu país, o seu povo e os seus lugares sagrados”. “Devem voluntariar-se e juntar-se às forças de segurança para concretizar este objectivo”, declarou.
O jornal The New York Times notava que, em Samarra, uma cidade com um importante mausoléu xiita, já estava mobilizada uma linha de protecção formada inteiramente por milhares de voluntários. “Esperamos que todos os grupos xiitas sigam o nosso exemplo e se unam para proteger Bagdad e as outras áreas xiitas”, observou Abu Mujahid, identificado como um dos líderes da recém-formada milícia. Samarra é um ponto estratégico no caminho entre Mossul e Bagdad – o ISIS contornou a cidade e decidiu, em vez disso, atacar Tikrit (simbólica, por ser a cidade de Saddam e o centro do poder da sua ditadura), um pouco mais a sul e mais perto da capital.
Esta sexta-feira, ainda de manhã, o porta-voz do Ministério do Interior, general Saad Maan, garantia à AFP que o Governo pôs em marcha “um novo plano para a protecção de Bagdad”, que consiste na “intensificação de efectivos e no recurso à tecnologia”.
O primeiro-ministro pediu autorização ao Parlamento para instaurar o estado de emergência e ceder-lhe a autoridade para estabelecer o recolher obrigatório e restringir os movimentos no país. Mas, num sinal evidente de desagregação do Estado (e da debilidade política de al-Maliki), não conseguiu reunir em plenário o número de deputados para sequer levar a proposta a votação.