A cidadania europeia desprezada

A Comissão rejeitou liminarmente a iniciativa, por entender que o embrião humano não é merecedor de protecção.

Precisamente neste contexto, logo a seguir à eleições, a Comissão Europeia tomou uma decisão que não poderia ser mais contrária aos objetivos que parecem ser os de quem exprime estas preocupações.

O Tratado de Lisboa consagrou a faculdade de apresentação, pelos cidadãos europeus, de iniciativas legislativas que reúnam um número mínimo de assinaturas num número mínimo de países. A iniciativa europeia de cidadão One of us (“Um de nós”) recolheu assinaturas de mais de um milhão e setecentos mil europeus e em dezassete países foi ultrapassado o número mínimo exigido. Portugal foi dos países com uma adesão proporcionalmente maior. Nunca uma destas iniciativas mobilizou tantas pessoas em países tão diversificados. Essas pessoas quiseram usar um instrumento de democracia participativa (não se limitaram ao voto) e manifestaram a sua confiança nas instituições da União Europeia.

Pretendia essa iniciativa garantir que as atividades apoiadas pela União Europeia (no âmbito da investigação científica e da cooperação para o desenvolvimento) respeitassem a vida humana desde a sua fase mais vulnerável, a de embrião (tratado com “um de nós” – daí o seu nome).

Esperava-se que a necessária intervenção da Comissão se traduzisse apenas na verificação da regularidade formal do processo e remetesse a decisão da questão de fundo para o Parlamento, órgão com outra legitimidade democrática, eleito e que delibera depois de um processo de discussão pública e plural.

Não foi assim. A Comissão rejeitou liminarmente a iniciativa, por entender que o embrião humano não é merecedor de proteção, invocando a utilidade da investigação científica sobre células estaminais embrionárias (utilidade ainda não comprovada, ao contrário do que se verifica com a investigação em células estaminais adultas).

A decisão foi tomada no último dia do mandato da Comissão, já depois das eleições que hão de conduzir à nomeação de outros comissários pelo novo Parlamento. De um ponto de vista da legitimidade democrática, é, também por este motivo, censurável. E só pode dar razão a quem fala em défice democrático da União Europeia.

Os proponentes da iniciativa, que mostraram acreditar na importância da participação dos cidadãos na construção da unidade europeia e que confiaram nas instituições da União Europeia (num contexto de indiferença e ceticismo, que muitos dizem lamentar) sentem-se, assim, desiludidos e desprezados. Com decisões como esta, é natural que cresça essa indiferença e esse ceticismo.

Juiz

Sugerir correcção
Comentar