Portugueses lideram banca moçambicana num mercado em ascensão

O Millennium bim (do BCP) e o BCI (da CGD e do BPI) dominam mais de metade do mercado em Moçambique, aliados a investidores locais. O Banco Único, de Amorim, vai estrear hoje nova aliança com sul-africanos.

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A dinâmica do sector, que está no coração do desenvolvimento do país, reflecte-se de forma visível através da construção e da arquitectura. O BCI, onde a Caixa Geral de Depósitos é dona de 51% e o BPI de outros 30%, já iniciou os primeiros trabalhos no terreno para a construção de uma nova sede, ao lado do seu rival. Neste momento, os escritórios centrais ainda estão na avenida 25 de Setembro onde, a poucos metros, a Teixeira Duarte está a construir os dois edifícios do regulador, o Banco de Moçambique. O maior, com 30 andares, será preenchido com escritórios, cabendo ao outro, com 19 pisos, funções de apoio, como estacionamento e restauração, num investimento da ordem dos 57 milhões de euros.

Qualquer um destes casos mostra a aposta que está a ser feita no sector financeiro em Moçambique, actualmente dominado pelo Millennium bim e pelo BCI. Juntos, os dois bancos detêm quase 60% do mercado, independentemente dos números analisados. Moçambique torna-se, assim, num dos poucos países onde empresas de capitais portugueses detêm a liderança (outro caso é o retalho alimentar na Polónia, através da Jerónimo Martins). E têm-se mantido lucrativos, ajudando ao mau momento que os seus principais accionistas estão a atravessar em Portugal. Feitas as conversões cambiais, o banco Millennium bim teve um resultado líquido de cerca de 77,5 milhões de euros em 2013, e o BCI foi responsável por um lucro da ordem dos 33,3 milhões de euros. Ambos subiram este indicador face ao ano anterior.

Sempre a crescer
Sentado numa sala de reuniões do 15.º andar, o presidente executivo do Millennium bim, Manuel Marecos Duarte, sublinha que a instituição tem sido “o principal agente da bancarização” do país, destacando que lidera “a maior empresa moçambicana por activos”, incluindo aqui os seguros (onde a Seguradora Internacional de Moçambique, detida pelo grupo, é líder).

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O gestor português, que antes de chegar a este país já tinha estado em Macau e na Turquia, acrescenta outro galardão: o facto de ser o único entre os seus rivais que está no top 100 do continente africano, “perto de entrar no grupo dos 50 maiores”.

O ritmo de bancarização, ou seja, dos serviços à disposição dos clientes e da adesão destes ao sistema financeiro, tem crescido. Em 2005, havia 228 sucursais. No final do ano passado, eram já 551, das quais 157 tinham as cores do Millennium bim e outras 132 as do BCI.

Mesmo assim, apenas cerca de 20% da população com mais de 18 anos tinha conta bancária, com destaque para a zona de Maputo. O ministro das Finanças, Manuel Chang, afirmou recentemente que “a cobertura do país pelas instituições financeiras ainda é muito reduzida”, com um nível de 60% ao nível dos distritos. Por isso mesmo, os bancos continuam a apostar na expansão das suas redes.

O Millennium bim, segundo afirmou Manuel Marecos Duarte, vai chegar às 165 sucursais este ano (mais oito). Paulo Sousa, presidente executivo do BCI e quadro da CGD (foi responsável pela área do imobiliário do grupo em Portugal), garante que serão abertas “no mínimo 18 agências”. As duas empresas financeiras estão presentes em todo o país, disseminando também caixas e terminais de pagamento automático, mas a custo.

O processo de descentralização começou há cerca de dois anos, até pela perspectiva de novos negócios em zonas como Nacala, Cabo Delgado, Nampula e Tete, com o advento da exploração dos recursos naturais (carvão e gás). Mas para abrir uma agência é preciso haver estradas e assegurar as ligações eléctricas e de comunicações, e esses encargos podem ficar a cargo do banco. As escolhas das novas aberturas têm de ser bem analisadas e, como refere Paulo Sousa, há que encontrar “formas alternativas aos balcões”.

Aqui, entram em campo as telecomunicações móveis, área onde outros bancos também pretendem crescer. Um fenómeno de adesão é o Credelec, lançado no ano passado e que permite pré-pagamentos de electricidade nas casas através de um telemóvel ou de um ATM. No caso do BCI, que também disponibiliza estes serviços aos que não são seus clientes, o banco ganha a respectiva comissão e entradas de dinheiro, porque as verbas vão para a conta que a EDM (empresa estatal de electricidade) detém na instituição. Por parte do Millennium bim, a instituição assistiu a uma enorme adesão ao IZI, um sistema básico mas utilitário de mobile banking.

Sócios estratégicos
Tanto o Millennium bim como o BCI contam com investidores locais, que ajudaram os bancos a crescer e a superar concorrentes como o sul-africano Standard Bank (terceiro do mercado) e o britânico Barclays (quarto maior).

No primeiro caso, o principal investidor é o próprio Estado moçambicano, que, directa e indirectamente, detém 23%. Na presidência do conselho de administração está Mário Machungo, antigo primeiro-ministro de Joaquim Chissano. No segundo caso, a CGD e o BPI estão aliados à SCI, do grupo Insitec (dono de 18%). Criado em 2001, o grupo actua em vários sectores (é accionista da Cimpor de Moçambique) e é liderado por Celso Ismael Correia. O empresário, de 35 anos e ligado à Frelimo, ocupa também a cadeira de presidente do conselho de administração do BCI.


Aliança única com sul-africanos
Neste momento, está a ser forjada uma nova aliança protagonizada pelo Banco Único, o mais recente interveniente no sector. Criado em 2011, foi a 18.ª instituição financeira a surgir em Moçambique, pelas mãos de Américo Amorim, da Visabeira e do seu presidente e accionista, João Figueiredo (ex-CEO do Millenium bim). Actualmente, ocupa a sexta posição do ranking. Hoje, Amorim e Visabeira devem oficializar a venda de 36,4% do capital aos sul-africanos do Nedbank, uma das maiores instituições financeiras deste país.

Após a concretização do negócio, o Nedbank ficará com 36,4%, uma posição igual à detida por Amorim e pela Visabeira (através da Gevisar, onde se destaca Amorim). João Figueiredo é dono de 10% e o restante está disperso por investidores locais, como a SF Holdings, do empresário Salimo Adbula (8,9%), e o Instituto Nacional de Segurança Social (2%). Haverá, assim, uma tripla aliança, inédita até aqui, entre moçambicanos, portugueses e sul-africanos.

Com o reforço financeiro, conforme afirma João Figueiredo, a aposta é tornar-se num banco mais universal, “recorrendo à inovação e a novas formas de chegar ao mercado”. E pode aproximar-se do seu rival mais próximo, o Moza Banco, o quinto maior do mercado. Neste caso, a maioria do capital é de origem local, com 51% nas mãos do grupo Moçambique Capitais. Presidido por Prakash Ratilal (ex-governador do Banco de Moçambique e que é também o chairman do Moza Banco), este grupo surgiu em 2001, tal como o grupo Insitec, e conta com 384 accionistas que investem em várias áreas.

Criado em 2008, o banco é hoje detido em 49% pelo BES, que foi subindo a sua participação com compras a outros investidores, como a Geocapital (de Jorge Ferro Ribeiro e Stanley Ho, que hoje já não estão entre os accionistas). A última aquisição do BES ficou concluída em Junho do ano passado, data em que os dois grupos definiram uma nova estratégia para o Moza Banco.

No relatório e contas referente a 2013, o banco refere que está a desenvolver acções e produtos de financiamento “adequados às necessidades específicas das pequenas e médias empresas”. Algo que, embora fundamental, não é tarefa fácil.

No seu discurso de inauguração da nova sede do Millennium bim, Armando Guebuza, de acordo com a Agência de Informação de Moçambique, realçou que os bancos com maior impulso deviam dar uma maior atenção às PME. E a mensagem tem sido captada pelas instituições, como o Millennium bim e o BCI. Manuel Marecos Duarte destaca que “tem havido um progresso grande”, mas que as “empresas têm de estar melhor organizadas e que muitas PME não têm contabilidade”, algo que choca com uma “gestão rigorosa do risco” do banco, destaca o gestor.

Também Paulo Sousa, cujo banco tem apostado em iniciativas como a elaboração da lista das 100 melhores PME, destaca que é preciso “melhorar a gestão”, com maior profissionalização, e haver uma transferência do sector informal para o formal. Num país onde o mercado paralelo é abundante e existem dezenas de entidades de microcrédito, estima-se que apenas 2% das micro e das PME estejam registadas e só 9% têm conta bancária, segundo dados do Instituto para a Promoção das Pequenas e Médias Empresas. Por outro lado, o acesso ao financiamento é considerado o principal obstáculo à actividade empresarial em Moçambique, ligeiramente acima do problema da corrupção (dados do Fórum Económico Mundial).

Quando consegue aceder ao crédito, mesmo em boas condições, uma PME paga 18% de juros. Razões como o risco local e cambial, bem como os custos, nomeadamente dos depósitos (a inflação está agora controlada, mas as remunerações são elevadas, com destaque para os grandes clientes), suportam este valor.

Mais dinheiro
Certo é que os empréstimos, tal como os depósitos, têm vindo a crescer. Numa análise divulgada em Março, o departamento de estudos económicos e financeiros do BPI destaca que o banco central, desde Julho de 2011, já reduziu para metade a taxa de juro de cedência de liquidez (agora nos 8,25%), “numa tentativa de diminuir os custos de financiamento e incentivar a concessão de empréstimos ao sector privado”. A questão é que “a transmissão para as taxas de juro da economia tem sido limitada”, embora tal não impeça que se verifique uma aceleração do crescimento dos empréstimos.

Em Dezembro de 2013, sem contar com os empréstimos ao executivo da Frelimo, o crédito à economia registou um incremento de 29% face a idêntico período de 2012. Já os depósitos subiram 16%, reflectindo um aumento do rácio de conversão de depósitos em créditos (que ainda estão bem abaixo dos 100%). Em quase três anos, o crédito concedido cresceu quase 70%, estando agora na casa dos 158 mil milhões de meticais (cerca de 3,7 mil milhões de euros). O sector que absorve mais linhas de financiamento é o comércio, mas o que tem mostrado maior dinâmica no último ano é a indústria, seguindo-se a construção. Por outro lado, também a população urbana começa a aderir aos empréstimos para comprar bens duradouros, desde frigoríficos a automóveis.

A descoberta de riquezas como o carvão (cujas exportações deverão suplantar em 2015 as do alumínio, actual principal produto) e o gás natural abrem novas oportunidades ao país e aos bancos. O envolvimento nos grandes projectos é uma estratégia do Millennium bim e do BCI, além do potencial das PME e dos particulares. “Há espaço para um enorme crescimento”, sintetiza Paulo Sousa, cujo banco, tal como o do Millennium bim, quer aproveitar as oportunidades para se manter, de forma rentável, no topo.

O jornalista viajou a convite do FMI, no âmbito da conferência “África em ascensão”

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