Representações nacionais em delírio historicista na Bienal de Veneza

No conjunto das exposições de Absorbing Modernity é claro o esforço dos vários países em responder ao apelo do comissário Rem Koolhaas para recontarem a modernidade na arquitectura em Veneza. A representação portuguesa, comissariada por Pedro Campos Costa, lançou o primeiro de uma série de três jornais. Permanece o enigma de ser um jornal sem uma exposição ou instalação

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O Leão de Ouro foi para Crow’s Eye View: The Corean Peninsula , a representação da Coreia (do Sul) na 14ª Mostra Internacional de Arquitectura da Bienal de Veneza dr
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Crow’s Eye View: The Corean Peninsula dr
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Crow’s Eye View: The Corean Peninsula dr
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Heavy prefabrication : economies of scale or monotony?, inatalação no pavilhão francês AFP PHOTO / VINCENZO PINTO
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Monditalia, grafting, pavilhão de Itália AFP PHOTO / VINCENZO PINTO

Um prémio com um cunho político. O Leão de Prata coube a Monolith Controversis, a representação do Chile que reproduz a sala de estar da senhora Silvia Gutierrez, correspondendo a um módulo de construção pré-fabricada, tecnologia francesa que chegou via União Soviética e Cuba. Foram ainda feitas menções especiais ao Canadá, à França e à Rússia.

No conjunto das exposições de Absorbing Modernity é claro o esforço dos vários países em responder ao apelo do comissário Rem Koolhaas no sentido de uma abordagem retrospectiva e reflexiva sobre os processos de “absorção” da “modernidade” entre 1914 e 2014. Em geral, são expostos trabalhos de investigação de pendor mais académico ou experimental, de qualquer modo com grande eficácia low cost (Chile, Letónia, Marrocos) ou mais expansiva (Rússia, Reino Unido, França).

Provavelmente a mais surpreendente e incisiva é a exposição da Rússia, Fair enough, que recria uma feira onde em sucessivos stands são reconfigurados velhos temas e figuras do construtivismo russo, como Chernikhov e El Lissistzky, para fins comerciais e “criativos”. Uma Rússia irónica e pop, capaz de gozar consigo própria, é uma espécie de alívio e avanço inesperado.

Igualmente eficaz e também lúdica é Modernity, Promisse or Menace?, a proposta da França, à volta de Mon Uncle de Jacques Tati, com centro numa maqueta da casa protagonista, glosando as complexidades da vida moderna. Rompendo o embargo em falar sobre “arquitectos”, a Holanda propõe A Bakema Celebration, uma retrospectiva sobre Jacob Bakema, figura central da arquitectura do pós-guerra. No pavilhão dos Estados Unidos, a instalação Office US faz um levantamento da produção de arquitectura feita por americanos em todo o mundo, sem recorrer a estratégias de “choque e espanto”. O Reino Unido configura as referências pop dos anos 1950 e 1960 para tratar o tema cinzento das New Towns, em A Clockwork Jerusalem, com um belíssimo efeito cenográfico e rigor documental.

É interessante que a Espanha, em Interior, não abdique de mostrar arquitectura contemporânea, realizada nos três últimos anos, com envolventes imagens ampliadas e referências a exemplos da modernidade absorvida ao longo de 1914-2014. A estreante representação de Moçambique, Architecture between two worlds, comissariada por José Forjaz, propõe, através de um dispositivo simples e eficaz, uma cronologia da arquitectura do mundo em paralelo com a construção urbana e vernacular do país africano.

O jornal português
A representação portuguesa, comissariada por Pedro Campos Costa, lançou o primeiro de uma série de três jornais, num pequeno espaço no Arsenal. Homeland. News from Portugal dá conta de um “work in progress” de seis equipas de arquitectos que estão a trabalhar em seis cidades portuguesas. Uma máquina permite que os visitantes da Bienal levantem o jornal, que é também distribuído por ardinas. A abordagem dos seis grupos incide na procura de temas de trabalho, num plano mais conceptual ou activista, reflectindo o cenário profissional dos arquitectos em Portugal, e modos alternativos de relacionamento com a sociedade. Deste ponto de vista, Homeland congrega um conjunto de temas relevantes, e arquitectos capazes de repensar e actuar na profissão. Em qualquer dos casos, o modo escolhido de comunicar este processo é problemático, tendo em conta que dificilmente se imagina que o visitante da Bienal o vá seguir ao longo de seis meses, através de três jornais.

Homeland escapa também ao apelo retrospectivo da proposta de Koolhaas, o que depois se tenta resolver com a inclusão de textos, cronologias e referências a momentos emblemáticos da arquitectura portuguesa. Permanece, de resto, o enigma de ser um jornal sem uma exposição ou instalação, numa bienal de arquitectura. 

Nos Giardini, o “hiato” para pensar que Koolhaas propõe leva-nos até a momentos de grande intensidade como o da exposição da maqueta do Fun Palace, de Cedric Price, numa sala vazia do pavilhão da Suíça. Mas também até à cronologia algo burocrática da arquitectura brasileira em Brasil: modernity as tradition, no respectivo pavilhão.

A exposição central, Elements of Architecture, do próprio Koolhaas, infantiliza o conceito de regresso aos “fundamentos” alinhando 15, que são sujeitos a um eficaz merchandising. A “lareira”, as “casas-de-banho”, as “rampas”, circulam em t-shirts, livrinhos e demais agit-prop. Como se perante o desconcerto dos arquitectos, e depois da eficaz montagem de Monditalia, no Arsenal, e de Absorbing Modernity, nos Giardini, Koolhaas quisesse levar os arquitectos pela mão, nos “corredores”, através das “paredes”, junto aos “tectos”.

Este exercício algo paternalista não impede que Fundamentals deixe de ser considerado como um ensaio conseguido de cruzamento da curadoria com a investigação, e de releitura da história com o lançamento do futuro próximo.

O Leão de Ouro de carreira foi atribuído a Phyllis Lambert, não por ser arquitecta, que é, mas por ser uma promotora da arquitectura, desde o envolvimento no Seagram Building, projectado por Mies van der Rohe, até à fundação do Canadian Centre for Architecture, em Montreal. Depois de desafiar os investigadores, Koolhaas põe a ênfase no cliente e no promotor como agentes que podem salvar a arquitectura.

 

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