A Bienal caleidoscópica de Rem Koolhaas já começou em Veneza
O curador desta bienal propõe um regresso aos fundamentos da arquitectura em três momentos: Monditalia , Elements of Architecture e Absorbing Modernity . Um evento informal e pop, a pensar no futuro
Após as apresentações do presidente Paolo Baratta, do comissário Rem Koolhaas, e da representante da Rolex, patrocinadora geral, um jornalista italiano pergunta: “Dr. Koolhaas, o que pensa da prisão do presidente da câmara de Veneza (ocorrida no dia anterior, na sequência do escândalo que envolve o projecto Mose)?” Giorgio Orsoni é também vice-presidente da Bienal. No tom incisivo que usa, mas sem qualquer eloquência, Koolhaas responde que se trata de um “incidente que calha bem no contexto da exposição”.
Como tinha explicado em modo mecânico, “a Itália é o país mais crucial do mundo mas não é o que podia ser”. O mundo, tal como a Itália, também não é o que podia ser. A corrupção parece generalizada, a descrença acentua-se nos jovens. Segundo Koolhaas, até aos anos 1970, o arquitecto trabalhava de acordo com uma visão da sociedade, boa ou má. A partir de Thatcher/Reagan começou a trabalhar para indivíduos. O lema que propôs para a Bienal que abriu ao público este sábado, Absorbing modernity, baseia-se neste pressuposto, concluindo que é necessário regressar ao “fundamental”, a uma “coralidade” perdida. Por isso pediu a todas as representações nacionais que se dedicassem a expor o modo como as várias identidades “absorveram” a “modernidade” que se foi impondo entre 1914 e 2014.
Fundamentals é uma exposição essencialmente retrospectiva, embora, é claro, virada para o futuro. Koolhaas fala do evento como um “hiato” para pensar e além de trabalhar durante dois anos exigiu que os habituais três meses da Bienal de arquitectura passassem a seis. Um “hiato” precisa de tempo.
Caracterizada pelo presidente como uma Bienal de “investigação” conduzida por Rem, Fundamentals reúne 65 países, mais dez do que na edição anterior. Entre os novos incluem-se Moçambique, a Indonésia, Marrocos e a Turquia. A enorme quantidade de “eventos”, “weekend specials”, actividades e debates é enfatizada. Koolhaas gosta de números altos e discussão, maratonas como as que promoveu na Serpentine Gallery, em Londres, durante 24 horas. Tudo deve ser informalmente debatido, democrática e continuadamente, até a modernidade estar absorvida.
Mas Fundamentals não é só quantidade. Em Monditalia, no Arsenal, uma das duas exposições que Koolhaas comissaria, as instalações são intercaladas por ringues onde grupos de dança, música e teatro intervêm. Entre 41 projectos de arquitectura, 82 écrans exibem filmes clássicos da bela cinematografia italiana. Monditalia tem como objectivo, conseguido, propor uma imagem “não caricatural” de Itália. Embora resultado de uma “call” a curadores, segundo temas específicos, a exposição tem o tom típico de Koolhaas: é caleidoscópica, informal, multidisciplinar e pop.
Talvez a instalação mais marcante seja La Maddalena, onde dois écrans mostram, em confronto, o edifício de Stefano Boeri construído na ilha da Madalena para o G8, em 2009, que nunca chegou a utilizado, e aí próximo, na paradisíaca ilha Budelli, o trabalho de Mauro Morandi com destroços que chegam da estrutura.
A outra exposição de Koolhaas, Elements of Architecture, no Pavilhão Central no Giardini, usa a mesma linguagem torrencial desta vez com o objectivo de fixar 15 elementos fundamentais da arquitectura: o “chão”, a “parede”, o “tecto”, a “porta”, a “varanda”, o “corredor”, a “escada rolante”… entre outros, são “vistos sob o microscópio”. Nada de fundamental se conclui, no entanto.
À tarde, nos Giardini, entre as inaugurações para convidados, realizou-se o debate “5000 anos de arquitectura… e agora? Arquitectura e tecnologia?”. Tony Fadell, “um dos pais do IPod”, e fundador da Nest Labs, fala durante largos minutos sobre os benefícios de um termóstato que a sua firma, comprada pela Google, desenvolveu, e que permitiu já diminuir gastos astronómicos de energia, nos EUA. Números altos, como Koolhaas gosta.
Uma plateia de centenas de arquitectos e académicos, apertados e sob um calor intenso, ouviam atentamente, ou fingidamente, um tecnólogo a falar de termóstatos. Talvez sejam estas as questões que importam terá pensado Charles Jencks, na assistência, o grande inventor do pós-modernismo, tirando notas constantemente.
Koolhaas quer fazer as perguntas que pensa que a sociedade quer que os arquitectos façam. A Bienal move-se assim entre o “delírio nova-iorquino” que Koolhaas viu através de Dalí, usando o “método crítico-paranóico”, o gosto fetichista pela estatística, e a má consciência face a um mundo em refluxo, onde a sustentabilidade substitui o delírio, e o termostato impõe o conforto e a poupança, ao modo americano.
O momento-chave ocorreu, no debate dos Giardini, quando Koolhaas perguntou ao homem do Silicon Valley se havia lugar para a “utopia”, se era “utópico”; Tony Fadell respondeu-lhe de imediato que era “optimista”. Quanto a um lugar para a “transgressão”, respondeu-lhe, com a candura americana, que depois da juventude as pessoas gostam de formar família e viver em sociedade.