Primárias sim, mas nem todos podem votar
As diferenças na execução são enormes, é certo, mas a ideia é mais ou menos a mesma: alargar o universo dos cidadãos que determinam quem é o candidato mais bem posicionado para vencer umas eleições ou assumir a liderança de um partido.
Depois de António José Seguro ter proposto que o futuro candidato a primeiro-ministro pelo Partido Socialista (PS) seja escolhido por “militantes e simpatizantes”, os esclarecimentos sobraram para as mãos de Maria de Belém Roseira. A sua tarefa é “recolher os regulamentos de eleições primárias semelhantes já realizadas em França e em Itália e a realizar em Espanha”, disse o secretário-geral do PS.
A julgar pelo que acontece há mais de 170 anos nos Estados Unidos, e nos tempos mais recentes em França e Itália, a tarefa do PS português lança algumas questões para as quais ainda ninguém tem respostas claras. Será possível votar nas primárias do PS quando se é, ao mesmo tempo, apoiante do PSD? Quanto vai custar – e quem vai pagar – a organização de um acto eleitoral que pode ter mais do que uma volta se se candidatarem três, quatro, cinco ou mais figuras do partido?
Nos Estados Unidos há várias soluções, consoante os estados – a maioria promove eleições primárias com o envolvimento dos governos locais, mas em alguns a escolha é organizada pelos próprios partidos, nas suas próprias secções. Em quase todos os estados, a vontade dos eleitores é obrigatoriamente respeitada pelos delegados que votam nas convenções nacionais, mas em alguns essa primeira votação passa depois por outros filtros (delegados de condados, que depois escolhem delegados estaduais, ou outros).
Mas há uma regra de ouro quando as primárias são abertas (as que permitem a participação de todos os cidadãos): quem vota nas primárias do Partido Democrata, já não pode votar nas primárias do Partido Republicano, e vice-versa.
Defendida ou criticada, a máquina das primárias nos Estados Unidos está tão oleada que já não precisa de responder às perguntas que tiveram de ser feitas mais recentemente em países europeus como França ou Itália.
Em 2011, o Partido Socialista francês organizou, pela primeira vez, umas primárias abertas para a escolha do seu candidato à Presidência da República. Para além da diferença no tempo de preparação – a proposta foi aprovada em Outubro de 2009 e a escolha foi feita dois anos mais tarde –, as primárias do PS francês tiveram duas voltas e cada eleitor teve de assinar uma declaração em defesa dos valores da “liberdade, igualdade, fraternidade, secularismo, justiça, solidariedade e progresso”, para além de pagar uma contribuição no valor mínimo de um euro.
Em Itália, o Partido Democrático (PD), de centro-esquerda, é um dos mais experientes nas primárias. As últimas realizaram-se a 8 de Dezembro de 2013, contaram com três candidatos e foram dominadas pelo actual primeiro-ministro, Matteo Renzi, que obeteve 67,6% dos votos.
As primárias do PD italiano começaram com uma eleição em que apenas votaram os militantes do partido; depois, os candidatos que receberam mais de 15% dos votos (ou, neste caso, os três mais votados) defrontaram-se em eleições primárias abertas a todos os italianos com mais de 16 anos de idade, mediante o pagamento de dois euros.
A julgar pelo que foi dito até agora por António José Seguro, as primárias do PS não serão abertas, isto é, não poderá votar qualquer eleitor português, mas apenas os “militantes” e os “simpatizantes” – as primeiras primárias abertas em Portugal foram organizadas pelo partido Livre, para as eleições europeias de Maio.
Segundo os estatutos do partido, “é membro do Partido Socialista quem, aceitando a Declaração de Princípios, o Programa, os Estatutos e a disciplina do Partido, se inscreva como militante e seja aceite pelos competentes órgãos”, e simpatizante “qualquer pessoa que se identifique com o Programa e a Declaração de Princípios do Partido Socialista”, podendo “solicitar o seu registo no ficheiro central de simpatizantes do Partido Socialista, organizado pelo Secretariado Nacional, nos termos definidos no Regulamento de Militância e de Participação.”