“Canadá” (Porto Editora), de Richard Ford (n.Mississípi; 1944), é uma profunda reflexão sobre a necessidade de aceitar a vida como um caminho de oportunidades aproveitadas ou desperdiçadas.
O escritor premiado com o Pulitzer e o PEN/Faulkner conta a história de Dell Parsons, irmão gémeo de Berner. Será Dell, cerca de 50 anos depois, a narrar a sua história e a da sua família. Para isso, recorre à interpretação das suas próprias memórias e a crónicas escritas pela sua mãe.
Bev Parsons (pai), marido de Neeva Parsons (mãe), é um aviador militar muito trapaceiro. O seu péssimo sentido de negócio e a sua ingenuidade serão causadores de um irreversível drama familiar. Neeva sente-se uma mulher frustrada e presa num casamento causado por uma gravidez indesejada.
A acumulação lenta de frustrações e más escolhas transformam Bev e Neeva em assaltantes de um banco. A decadência moral é progressiva e imposta pela degradação das fantasias de cada um dos elementos.
Ford não tem intenção de apontar um acto isolado como responsável por um desastre familiar e individual; antes demonstra que o assalto é a conclusão lógica de uma série de enganos e desilusões.
A partir do assalto, a família reconhece o desmoronamento, os pais são presos, e os gémeos separam-se: A filha Berner foge, enquanto Dell vai viver para Saskatchewan (Canadá), em casa do misterioso Arthur Remlinger.
Ford faz destes acontecimentos a fronteira entre a 1ª e a 2ª parte do romance (existe uma 3ª que serve de súmula).
Passar a fronteira com o Canadá simboliza o começo da passagem para o estado adulto. Dell é influenciado por outro tipo de pessoas e contexto social. A incapacidade de adaptação a novos ambientes devia-se em muito à teimosia da mãe em não se integrar nas comunidades por onde passavam. Tudo era desvalorizado por ela.
Dell, agora sem pai e mãe, muda de perspectiva: “(...)chegara à conclusão de que a melhor maneira de não me sentir abandonado e presa fácil de sentimentos mórbidos era investigar e interessar-me pelo que me rodeava.”
No Canadá, ele vai percebendo a sua transformação até notar que não se preocupa mais com o que os pais pensariam das suas atitudes.
Os diferentes contextos sociais terão importância decisiva na formação dos gémeos. O leitor não acompanha a evolução de Berner. Terá a noção das diferenças ao perceber que, décadas depois, Dell e Berner são estranhos um para o outro.
Richard Ford, apoiado num enredo admiravelmente coerente, reflecte sobre muito mais do que a conquista ou desperdício de segundas oportunidades; o autor dá voz a Dell para desenvolver o seu pensamento sobre a importância do determinismo biológico (há constantes menções à hereditariedade física e psicológica) e do contexto social no percurso de vida do ser humano.
“O melhor é vermos a nossa vida e os atos que lhe puseram termo como dois lados de uma coisa que é necessário ter presente ao mesmo tempo para percebermos corretamente - o lado que foi normal e o lado que foi desastroso. Um tão perto do outro.”